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30 anos de grandes vinhos

Parece que foi ontem mas já passaram três décadas desde que Domingos Alves de Sousa decidiu dedicar-se à produção de vinhos, uma tradição familiar a que se dedicou em grande estilo e que continua a dar cartas, já com os filhos envolvidos no projecto. Para comemorar a data, reviveu a sua história com algumas das testemunhas deste percurso. A complementar, organizou uma prova emblemática com alguns dos melhores vinhos oriundos das suas quintas no Douro.

Domingos Alves de Sousa representa a quarta geração de uma família de produtores durienses, tendo o seu pai sido viticultor e fornecedor de algumas das mais prestigiadas casas exportadoras de Vinho do Porto. Engenheiro civil de formação, sentiu a determinada altura o chamamento da terra, e acabou por abandonar a engenharia em 1987 para se dedicar em exclusivo à exploração das quintas que lhe couberam em herança, e outras que posteriormente adquiriu e nas quais tem vindo a executar um trabalho modelar de emparcelamento e de reestruturação das vinhas. Durante alguns anos, vendeu as suas uvas a conhecidas empresas de vinho, mas em meados de 1992, acabou por investir na produção e engarrafamento dos seus próprios vinhos, uma aposta que se revelou a mais acertada, pois hoje é um dos produtores de referência no Douro. As vinhas ocupam, no seu conjunto, uma área aproximada de 123 hectares, mas é na Quinta da Gaivosa que se centra a produção de vinho.

Domingos Alves de Sousa abandonou a Engenharia Civil em 1987 para se dedicar às suas quintas no Douro.


A primeira experiência que fez, ainda em 1991, que considerou o ano zero para ver como o mercado reagia, foi um branco da Quinta do Vale da Raposa que recebeu de imediato referências muito especiais. No entanto, será no ano seguinte, que dá os passos mais acertivos na produção dos vinhos de duas das suas quintas, dois tintos de estilos distintos, o Gaivosa 92 e o Vale da Raposa 92, que provocaram reacções positivas por parte dos apreciadores e da crítica nacional e internacional, abrindo mercados quase impensáveis um ano antes. Recorrendo a novas abordagens de vinificação à época, com macerações prolongadas, controlo das temperaturas de fermentação e estágio em barricas, aliados ao terroir singular das suas vinhas, desenhou-se desde logo o nascimento de dois grandes vinhos, tomando de imediato o Gaivosa a dianteira, já que se tomou a decisão que só seria lançado em anos de qualidade superior. Em 1994 surge ainda o primeiro ‘Branco da Gaivosa’, fruto da seleção das melhores parcelas e castas brancas estagiadas em barricas de carvalho francês. Nesse mesmo ano começam também a ser vinificadas as vinhas da Quinta da Estação. 1995 será o ano de afirmação com o Quinta da Gaivosa tinto a conquistar inúmeras distinções nacionais e internacionais. A partir daí, novas marcas e novos vinhos foram nascendo. Hoje, Alves de Sousa trabalha unicamente as uvas das vinhas da família (Quinta da Gaivosa, Vale da Raposa, Caldas, Estação, Aveleira e Oliveirinha), desenvolvendo uma completa gama de vinhos do Douro de grande carácter e qualidade.

A Adega Alves de Sousa, na Quinta da Gaivosa


As melhores uvas para os melhores vinhos

Todas as uvas vinificadas são provenientes das quintas da família, ou seja, nada vem de fora. As uvas são vigiadas desde a sua nascença à sua colheita, intervindo-se sempre que necessário. O importante papel da vinha no desenhar dos vários vinhos resultou num investimento constante, ao longo dos últimos 30 anos. Reestruturação, emparcelamento, investigação, aquisição de novas parcelas. Hoje as vinhas ocupam, no seu conjunto, uma área aproximada de 145 hectares, distribuídos por 6 Quintas.

A diversidade ecológica (micro-climas, solos, altitudes, exposições), o terroir, as especificidades de cada quinta permitem, assim, obter vinhos de grande identidade. Em paralelo com o importante legado vitícola, as vinhas do amanhã estão hoje a ser preparadas. Usando uma série de meios criteriosos e inovadores, sem negligenciar os conhecimentos do passado - a seleção policlonal e a viticultura sustentável; investe-se na recuperação de castas autóctones.

Para Domingos Alves de Sousa, o património genético extraordinário existente nas vinhas do Douro deve ser estimado e preservado. E este trabalho vai muito além das famosas cincos castas da região (Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinto Cão, Tinta Roriz eTintaBarroca), ou até mesmo as igualmente reconhecidas Sousão ou Tinta Amarela, já que a recuperação de muitas outras variedades indígenas minoritárias, de muito pequena expressão, está a ser feita. Como, por exemplo, da Malvasia Preta, Tinta da Barca, Tinta Carvalha, Donzelinho Tinto e muitas outras. Além deste trabalho, existe também todo um cuidado na preservação de vinhas velhas muito especiais, com um caráter único, replicadas hoje em novas plantações, garantindo assim o Futuro. Vinhos como o Quinta da Gaivosa, Abandonado ou o Vinha de Lordelo são o exemplo vivo da qualidade destas vinhas velhas.


De pai para filhos

Haverá melhor orgulho para um pai ver os seus filhos darem continuidade ao seu trabalho? (Ver foto de entrada e em baixo). De uma forma ou de outra toda a família está envolvida no negócio, destacando-se o papel de Patrícia Alves de Sousa, a sua filha, que assume a direcção financeira da empresa familiar e é um apoio essencial de back office no negócio, mas também o de Tiago Alves de Sousa, outro dos filhos de Domingos e hoje o responsáel de enologia da casa, depois de anos a trabalhar ao lado de um dos grandes enólogos portugueses, Anselmo Mendes.  Formado em Engenharia Agrícola pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, também ele agora dá cartas na produção dos vinhos de família.

Domingos Alves de Sousa com os filhos, Patrícia e Tiago.


De uma simplicidade exemplar, é especialista em fugir dos holofotes, mas o seu curriculum empurra-o inevitavelmente para diante deles. Em 2003 foi distinguido com o prémio Fundação Engº António de Almeida e com a Bolsa de Mérito do Fundo de Apoio ao Estudante, atribuído ao melhor aluno da Licenciatura. Após vários estágios de vindima, colaborou com enólogos consagrados, um deles Anselmo Mendes (com quem viria a trabalhar posteriormente) e Manuel Vieira. Fez ainda alguns cursos de formação na área da Enologia e da Viticultura e ainda passou pelo Instituto de Viticultura da Universidade Católica de Piacenza (Itália), onde colaborou com os reputados Professores Mario Fregoni e Luigi Bavaresco. Por último, tirou o doutoramento em Viticultura no Departamento de Fitotecnia e Engenharia Rural da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o qual viria a concluir em 2011, com classificação máxima. Conta com várias publicações no âmbito da viticultura em revistas internacionais e actas de encontros científicos, sendo frequentemente convidado para palestras, aulas de mestrado e para fazer parte de júris de trabalhos científicos em Portugal e além-fronteiras. Na produção de vinhos do Douro e Porto da família, além da direcção técnica, é também responsável por vários mercados de exportação e desde que iniciou o seu percurso profissional já foi premiado por diversas vezes, pela sua carreira e pelos seus vinhos.

Tiago Alves de Sousa assume a responsabilidade da Enologia na empresa familiar


A entrada oficial de Tiago na empresa trouxe novas ideias à empresa, novas formas de olhar as vinhas da família. Como por exemplo, os Gaivosa, que até então resultavam da vinificação conjunta das melhores parcelas da Quinta. Mas em 2003, um esforço adicional possibilitou finalmente a vinificação isolada das pequenas partes do todo, desvendando a expressão, na sua forma elementar, das várias nuances e particularidades dos Gaivosa. Posteriormente, surgiram também novos vinhos, como o Vinha de Lordelo ou o Abandonado, hoje objetos de culto pelo seu carácter e reconhecimento.

Em 2013, e após 10 anos de trabalho conjunto com Anselmo Mendes e uma gradual e natural passagem de testemunho, Tiago tornou-se o responsável pela produção de todos os vinhos do Douro e Porto da família Alves de Sousa. A redescoberta da vinha do Abandonado, a singularidade do Memórias (com a combinação de 6 diferentes colheitas num mesmo vinho), os novos vinhos da Quinta da Oliveirinha no Cima Corgo (após 10 anos de aprofundado estudo), o alargamento da gama de Portos e, mais recentemente, os vinhos Rosa Celeste e Amphitheatrum, são alguns dos frutos do trabalho e criatividade de Tiago.


Uma prova emblemática

Do branco ao rosé, passando pelo tinto e terminando nos portos, nada faltou nesta prova que se destacou pela grande qualidade dos vinhos.


Lançado pela primeira vez há 10 anos, o Berço branco 2020 é um vinho de garra elaborado em igual proporção com Arinto e Avesso, e apenas 20% de Viosinho. Na boca é sério, predominando a fruta e a mineralidade complementada com notas de especiaria (pimenta branca) e excelente acidez. «Há dias provámos a primeira colheita feita há 10 anos e ainda tem muito para dar» garantiu Alves de Sousa, que sempre habituou o consumidor a lançar vinhos de guarda, tanto em tintos como nos brancos. Seguiu-se depois o Rosa Celeste 2010, um rosé especial que é também uma homenagem à avó de Tiago, uma mulher «sempre elegante, alegre, distinta», descreve o enólogo. Elaborado com 70% de Tinto Cão e 30% de Touriga Nacional, é uma novidade, um vinho com personalidade longe do perfil dos rosés mais simples a que estamos habituados, muito elegante e fresco, engarrafado num vasilhame distinto. Durante a prova, outro branco que se destacou foi o Pessoal branco 2016 (2001 foi a primeira colheita, na época com o nome Reserva Pessoal). «É um vinho diferente, com maceração das películas e uma super oxidação, daí a sua cor carregada. O meu pai diz na brincadeira que este vinho devia ser vendido com um manual de instruções», afirma Tiago. Um branco marcante, carregado no aroma e no paladar, mas complementado com uma elegância ímpar e excelente equilíbrio.     

Nos tintos, as hostilidades iniciaram com o Quinta da Oliveirinha tinto Vinha Franca 2017. Como o próprio nome indica, as uvas são provenientes da Quinta da Oliveirinha, no Cima Corgo. A quinta pertencia por partilha à irmã de Domingos Alves de Sousa, mas o produtor acabou por adquiri-la e ali desenvolveu com o filho uma investigação aprofundada durante dez anos para aprofundar o terroir. Assim nasce este vinho pela primeira vez em 2013, e pela segunda vez em 2017, de forma mais consistente, elaborado com a casta Touriga Franca (95%) e finalizado com Sousão e Touriga Nacional. Um tinto estruturado, dotado de uma acidez muito sólida e com final de boca prolongado. «A Touriga Franca é a casta mais plantada do Douro e uma das que mais marca o perfil do vinho do Douro e do Porto», explica o enólogo.   

Outro tinto significativo para a família é o Quinta da Gaivosa tinto 2019, como define o produtor Alves de Sousa, «um vinho e um lugar sempre especial para toda a família». E, também para os enófilos, diz quem vos escreve e que acompanhou toda a evolução de perfil deste grande tinto. A primeira colheita saiu em 1992 e, desde o início, é um vinho que mostrou a sua garra, tornando-se num dos mais emblemáticos do Douro. Poderoso e dotado de grande elegância, mineralidade e frescura, é um tinto que inicialmente revelou um perfil mais amadeirado e marcante, como se usava na época, mas foi sendo limado ao longo dos anos para um perfil mais fino. «É um vinho que faz parte do novo Douro, um dos primeiros da década de 90 e que foi evoluindo com as novas tendências», explica Alves de Sousa.


O seu ‘irmão’ Quinta da Gaivosa Vinha do Lordelo 2019 também se destaca pela qualidade do seu perfil. Proveniente de uma vinha velha com mais de 120 anos, «é uma vinha modelo que revela como o Douro pode ser tão singular. Nela estão presentes mais de 30 castas combinadas», revela Tiago, informando ainda que 2003 foi a data da primeira colheita. «Este 2019 é provavelmente o melhor ano de Lordelo, que só sai em anos especiais. São 2 hectares em parcelas distribuídas entre os 375 metros e os 425 metros de altitude», revela ainda o enólogo, para explicar a genuinidade, a frescura e o forte carácter do vinho.    

O último tinto em prova, o ‘Abandonado 2019’ é outro vinho muito especial, proveniente de uma vinha inigualável e emblemática, pois encontra-se situada num local muito íngreme e difícil de lá chegar. «é um trabalho heroico trabalhar nesta vinha, os solos são muito rochosos, o terreno muito íngreme, e por isso existe uma grande dificuldade de o trabalhar. Mas depois, todos os esforços valem a pena pelo vinho a que dá origem». Poderoso, marcante, mas sempre com a elegância existente em todos os vinhos do produtor, é também um dos mais carismáticos dos topos de gama ali produzidos.

No final, ainda houve tempo para provar os Portos Vintage da Quinta da Oliveirinha, Quinta da Gaivosa, Alves de Sousa, e o Amphitheatrum, todos de 2020, cada um ao seu estilo e de diferentes quintas, mas sempre com a profundidade e frescura a que o produtor nos habituou.