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A arte de fazer vinho

Quando em meados da década de oitenta o britânico Howard Bliton veio pela primeira vez a Portugal, não terá imaginado que um dia viria para o nosso país produzir vinho. Hoje, além de estar presente em duas regiões nacionais, investiu na abertura de um restaurante e bar na sua adega no Alentejo, em Estremoz,  que veio enriquecer a sua oferta de enoturismo. 

O vinho é uma arte. Uma das muitas artes pela qual Howard é apaixonado. Basta entrar no edifício que transformou em adega e restaurante / bar (o antigo Grémio de Estremoz onde no passado se armazenavam os cereais) para perceber que o projecto é especial por diversas razões. Ali não é só um lugar onde se produz vinho ou se vai saborear uma refeição. É, também, um espaço de diversas manifestações culturais, com pinturas ou peças de arte espalhadas um pouco por toda a parte. Destaca-se o longo mural em graffiti do artista português Le Funky; uma obra de Miao Xiaochun, conceituado artista e fotógrafo chinês conhecido pelos trabalhos em grande escala; e ainda os porcos pintados para a exposição de arte da Sovereign Art Foundation (uma instituição solidária fundada pelo empresário para ajudar crianças asiáticas carenciadas) que serviu para comemorar em 2019 o Ano do Porco. Mas há ainda outras obras de arte colocadas estrategicamente para dar nas vistas e ânforas antigas utilizadas tradicionalmente no Alentejo para fazer vinho desde o tempo dos romanos. O espaço de refeições e bar, projetado pelo atelier de arquitetura e design de interiores Arkstudio, reflete ainda tradições da região, como as mantas alentejanas e azulejaria.  

O antigo Grémio de Estremoz onde no passado se armazenavam cereais é hoje a adega Howard's Folly
No restaurante The Folly os petiscos são para partilhar
O espaço foi projetado pelo atelier de arquitetura e design de interiores Arkstudio
Os porcos pintados para a exposição de arte que serviu para comemorar em 2019 o Ano do Porco e ajudar crianças carenciadas destacam-se na decoração do espaço



Não é de hoje que Howard Bliton (na foto de entrada, à esquerda, a conversar com o enólogo David Baverstock) é um apaixonado por vinho. Nascido em Yorkshire, um condado histórico no norte de Inglaterra, cresceu no campo. O pai, um criador de porcos (daí a sua predilecção por estes animais) largou a Suinocultura quando Howard tinha 12 anos para se dedicar ao comércio de vinhos. Na época, Howard não podia beber, mas via o pai trabalhar e falar dos vinhos que ia vendendo. Passavam-lhe pela frente os Rieslings do Mosel que estavam muito na moda em Inglaterra, mas também alguns Rioja, e outros, italianos. «Mas havia muitos mais», afirma. No entanto, e apesar de ter começado a apreciar vinho uns anos mais tarde, num país onde a cerveja era a bebida de eleição, foi depois de terminar os estudos, de ter começado a trabalhar na área financeira e de viajar pelo mundo, que o seu gosto se aprimorou. Provou vinhos de vários países, de diferentes estilos, renomados e não renomados, para perceber as diferenças. E começou, aos poucos, a entender as pontuações dos vinhos dadas pelos críticos. «Com o tempo comecei a coleccionar vinhos franceses, italianos, espanhóis, californianos, entre outros… Em Portugal, onde estive pela primeira vez em 1986, dei uma especial atenção aos Portos e, nos tintos, comecei por beber vinhos do Dão. Com o tempo, percebi que, apesar de Portugal não ser dos países mais valorizados, tinha vinhos de boa qualidade e um enorme potencial», afirma Howard. Foi em Hong Kong (onde reside e lidera o grupo financeiro The Sovereign Group) que conheceu os vinhos do Esporão e decidiu conhecer o seu enólogo, David Baverstock. Hoje, são sócios e amigos.  

A parceria traduz-se na produção de vinhos premium a partir de vinhas no Alto Alentejo, região que confere grande frescura aos seus vinhos a partir de vinhas de altitude (entre os 500 e os 600 metros), e temperaturas que oscilam entre noites frias e dias quentes. Sem vinhas próprias, começam a comprar uvas e arrendam uma adega para vinificar. Só bem mais tarde, em 2018, investem na recuperação do velho edifício do grémio para montar uma adega própria. Ainda hoje mantém a compra da uva a agricultores locais. «Vi em Portugal uma oportunidade e um desafio. Além disso, tinha bons incentivos. Hoje em dia venho cada vez mais vezes a Portugal e a partir do próximo ano a ideia é mudar-me para cá. O meu filho já está a morar cá e a estudar português. Queremos valorizar o vinho português e a região», diz Howard. Os vinhos, com os nomes Sonhador e Howard’s Folly, seguem também a paixão do empresário pela arte, tendo grande parte das garrafas rótulos elaborados por crianças ou artistas de renome. Como podemos ver, por exemplo, nas colheitas de 2019 rótulos com nuvens coloridas desenhadas pelo casal de pintores Rob e Nick Carter, ou na garrafa de Touriga Nacional os saca-rolhas pop sobre fundos negros do artista irlandês Michael Craig-Martin.

A arte também é visível nos vinhos produzidos na região dos vinhos Verdes, onde foi feita uma parceria com o produtor Carlos Alberto Codesso através da compra de uvas da casta Alvarinho que crescem próximo da vila de Melgaço, e que dão origem a vinhos de boa frescura e carácter. 

A forte aposta no Enoturismo

Tanto os vinhos produzidos no Alentejo, como os que vêm da região dos Vinhos Verdes podem ser comprados na loja da adega ou apreciados no novo restaurante e bar que tem o chefe Hugo Bernardo ao leme. Este espaço, o investimento mais recente, abriu no início de 2020, mas teve de fechar pouco tempo depois, devido ao confinamento. Reabriu em Junho, a par com uma pequena galeria de arte onde artistas convidados podem expor e vender os seus trabalhos. Aliás, como todas as peças no interior do edifício, que podem ser compradas. 

 

O menu do restaurante The Folly revela uma comida de conforto, descontraída e criativa



O menu revela uma comida de conforto, descontraída, mas nem por isso deixa de ser criativa, até porque a oferta vai mudando consoante a sazonalidade e os produtos disponíveis. A cabeça de Xara da Dona Octávia, da mítica Salsicharia Canense, o hambúrguer ou as costeletas panadas de borrego; o peito de pato com puré de beterraba; a ceviche de robalo; o torricado com presunto ou a tosta de bacalhau fresco são algumas das propostas de petiscos, que funcionam como pratos principais para partilhar. Nas sobremesas, destacam-se o gelado de leite de cabra com abóbora; a mousse de chocolate com pimenta rosa ou os crumble com fruta da época.

A par com as degustações no restaurante, a equipa da Howard’s Folly criou para a área do enoturismo uma seleção de experiências que dão a conhecer o quotidiano da adega de forma divertida e intercativa. Além da visita à adega e prova de vinhos (de 3 a 5 vinhos), há também a hipótese de provar directamente dos tanques e barricas ou de fazer um workshop de vinhos com o enólogo onde os participantes podem criar o seu próprio blend. As degustações são feitas no bar do restaurante e podem ser acompanhadas por uma seleção de alguns dos melhores queijos artesanais, enchidos, azeitonas e pão da região, ou por petiscos do menu do restaurante. Após a degustação, todos os participantes têm direito a um desconto de 10% na compra de vinho na loja da adega. «Além disso, as pessoas podem desenhar a sua própria experiência e as degustações de acordo com as suas preferências para tirar o melhor partido da sua visita», afirma Howard.

Na visita à adega destaca-se o longo mural em graffiti do artista português Le Funky
Na adega, o contraste entre a arte moderna e as velhas e tradicionais talhas alentejanas
As provas de vinho podem ser acompanhadas por uma seleção de alguns dos melhores queijos artesanais, enchidos, azeitonas e pão da região, ou por petiscos do restaurante
Antes de se irem embora todos os participantes têm direito a um desconto de 10% na compra de vinho na loja da adega


Futuramente, pode estar à vista um novo investimento turístico para permitir ao visitante permanecer mais tempo na região «Queremos desenvolver ainda mais o nosso enoturismo, permitir que as pessoas fiquem mais do uma noite na cidade, na região» diz Howard, sem se ‘descoser’ sobre projecto planeado. Mas enquanto isso não acontece, Howard vai deixando a sua marca. Além de apoiar um concurso de arte com alunos de escolas da zona (que depois podem expor na galeria da adega) o empresário quer também organizar um jantar de gala de artes onde irá buscar os melhores artistas portugueses para exporem e venderem as suas peças, sendo que, ao excluir a comissão dos galeristas que não fazem parte desta equação, parte da receita destas vendas reverte a favor das crianças carenciadas da Sovereign Art Foundation. «Todos os anos faço estes jantares em Hong Kong, em África ou na Europa. Também quero fazê-los em Portugal. Quero não só fazer uma acção de beneficência, mas também ajudar os artistas portugueses). Para Howard, dinamizar, criar, apoiar são as palavras de ordem. «Estes são poucos degraus que subimos, pequenos passos que damos. Não podemos mudar o mundo mas podemos fazer a diferença, construindo o futuro e fazendo coisas diferentes», remata o empresário.