A Nova Etapa da Adega do Mar
Em pleno Oceano Atlântico, a alguns metros de profundidade ao largo da costa de Sines, será inaugurada oficialmente a nova Adega do Mar, de Joaquim Parrinha, agrónomo e mergulhador, que sugere outras alternativas à forma como o vinho é armazenado e envelhecido. Um conceito que une o melhor da vitivinicultura com os mistérios do mar.
A Adega do Mar foi uma ideia desenvolvida desde 2013, quando Joaquim Parrinha desenhou o conceito e acabou por lançar em 2015 os primeiros lotes de vinho ao mar, entre a Marina de Sines e a ilha de Porto Côvo. O objetivo foi explorar como as condições únicas do ambiente marinho podem influenciar o envelhecimento dos vinhos. Os resultados dos primeiros testes foram surpreendentes, já que os vinhos submersos emergiram mais mineralizados, macios e com uma consistência aveludada que surpreendeu produtores, enólogos e consumidores. Esta descoberta permitiu uma nova abordagem ao processo de envelhecimento dos vinhos e acabou por despertar um crescente interesse.
Hoje, os três ou quatro produtores que afundavam vinho no mar passaram a 20 produtores, tendo Joaquim que arranjar novas instalações na costa de Sines, através de uma parceria empresarial, onde agora tem capacidade para afundar mais de 100.000 garrafas, marcando assim um novo capítulo para a Adega do Mar. Este espaço ampliado permitirá uma melhor e mais eficaz gestão dos stoks de vinho, garantindo a segurança e qualidade do produto durante o seu tempo de imersão. Além disso, a nova localização oferece a oportunidade de estudar as espécies locais, permitindo uma interação enriquecedora entre a produção de vinho e a conservação da biodiversidade marinha. «Neste espaço estudamos os vinhos e a biodiversidade, onde conseguimos relacionar o enoturismo na vertente do enoturismo subaquático, recolha e colocação de garrafas, observação da vida marinha e ganhar noções de sustentabilidade», destaca Parrinha. Este foco na sustentabilidade é um dos pilares do projeto, alinhando-se assim com os objetivos da Década dos Oceanos, promovida pelas Nações Unidas, que visa a proteção e preservação dos mares.
Entre os produtores portugueses que já afundam o vinho na Adega do Mar estão grandes e pequenos produtores, como a Quinta do Brejinho da Costa, a Herdade do Cebolal e a José Maria da Fonseca (os três da região da Península de Setúbal); a Quinta da Ferreira de Baixo e a Vanzeller (do Douro) ; a Quinta da Casa Boa (de Lisboa); Quinta D’Amares (Vinho Verde), Vila das Rainhas (Óbidos), Torre de Palma, Quinta da Anta e L’and Vineyards (Alentejo); Tarelo (Açores), só para citar alguns. «Com a imersão no mar estes vinhos adquirem características únicas devido ao processo de envelhecimento mas também se tornam autênticas obras de arte naturais, cobertas por vida marinha», destaca Joaquim Parrinha que defende o seu trabalho como uma «poderosa ferramenta de marketing» para o setor vitivinícola português. «Ao associar o vinho, um dos produtos mais emblemáticos de Portugal, à riqueza do oceano, o projeto posiciona-se como um emblema nacional, um verdadeiro cartão-de-visita para o país», remata.
Segundo Joaquim Parrinha, os vinhos da Adega do Mar já se encontram nas novas instalações mas ainda estão «a organizar a casa e melhorias a fazer para receber novos produtores», e por essa razão ainda não inaugura oficialmente a nova adega. «Será para o ano, com outra novidade que ainda não vou revelar», remata.
Recorde-se que não é de hoje que se afunda vinho na água, mas Joaquim Parrinha afirma ter sido o primeiro a afundar o vinho no mar (antes dele houve quem afundasse no rio Douro e na Barragem do Alqueva) o que pode trazer vantagens significativas como um envelhecimento mais constante e influências adicionais como pressão e movimento da água. A ausência de luz e o ambiente salino (se bem selado) são outras vantagens significativas, que também vão permitir um alojamento de vida marinha mais rico do que noutros locais.
Aprofundando um pouco mais a questão, e embora ainda não existam argumentos científicos oficiais sobre o assunto, «o mar oferece uma temperatura constante, geralmente fria, o que favorece um envelhecimento mais lento e controlado do vinho. Este ambiente estável evita flutuações bruscas de temperatura que podem eventualmente acelerar ou interromper processos químicos no vinho, resultando numa evolução mais equilibrada dos compostos, como os taninos» defende Joaquim Parrinha, que se encontra a investigar o assunto para a sua tese de doutoramento.
A inovação em Portugal está a ganhar cada vez mais força, mas em outros países outros produtores começaram mais cedo. Em 2014, a casa de Champanhes Veuve Clicquot submergiu 300 garrafas de champagne no Mar Báltico, próximo à costa da Finlândia, para estudar os efeitos do envelhecimento subaquático. Esse projeto foi inspirado pela descoberta de garrafas de champagne do século XIX num navio naufragado na mesma região. Já na Califórnia, a Mira Winery, cerca de uma centena de garrafas de Cabernet Sauvignon nas águas de Charleston Harbor, na Carolina do Sul, em 2013. O projeto teve como objetivo comparar o vinho submerso com o envelhecido tradicionalmente em adegas. As garrafas ficaram submersas por três meses, e o resultado mostrou diferenças notáveis no perfil de sabor. E a Bodega Crusoe Treasure, situada na costa norte da Espanha, é pioneira em envelhecer vinhos no fundo do mar de forma contínua desde 2010, tendo criado uma adega subaquática no Golfo de Biscaia, onde os vinhos são armazenados em condições controladas. Exemplos entre outros tantos no mundo que foram surgindo e que mostram que o envelhecimento de vinhos no mar é uma prática que tem atraído a atenção dos produtores, cada um com o seu projecto, com castas e estilos de vinho específicos, em locais, tempos de submersão e condições ambientais diferentes e bem definidas para criar produtos diferenciados. Será esta mais uma tendência do futuro ou um tipo de envelhecimento que veio para ficar?