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A Originalidade dos Vinhos Atlânticos

O enólogo António Maçanita e empresário de restauração Nuno Faria lançaram novos vinhos raros provenientes de origem vulcânica.   

Segundo o Diário Illustrado (1874) o nome escolhido pelos dois amigos e sócios para produzir vinhos - Companhia de Vinhos dos Profetas e Villões - remete para as alcunhas dadas aos madeirenses (Villões, escrito na forma arcaica, com no antigo jornal) e aos porto-santenses (os Profetas). Foi assim, inspirados na qualidade que da ilha que, desde 2020, António Maçanita e Nuno Faria começaram por produzir três vinhos na ilha da Madeira, e agora lançaram mais cinco vinhos, de Porto Santo. Hoje, são oito referências (Caracol dos Profetas; Caracol dos Profesta - Fazendas da Areia;   Listrão dos Profetas; Vinho da Corda dos Profetas  e Crosta Calcária dos Profetas (todos de Porto Santo); e Rosé dos Villões; Tinta Negra dos Villões e Tinta Negra dos Villões - Vale de São Vicente (da Madeira), provadas num almoço, em Lisboa, no restaurante 100 Maneiras, onde Nuno Faria também é sócio, juntamente com o Chef  Ljubomir Stanisic.

O desafio de fazer vinhos na ilha partiu de Nuno Faria, que como bom madeirense sempre passou as férias de Verão em Porto Santo. Quando confinado durante o início da pandemia na ilha, partilhou com António Maçanita o encantamento por estas vinhas rasteiras que se recordava ao vir da praia.

A recuperação de castas perdidas, abandonadas muitas vezes pela sua falta de rentabilidade, e a recuperação de técnicas desaparecidas tem sido uma das marcas deixadas pelo enólogo António Maçanita no trabalho que realiza em algumas regiões nacionais, nomeadamente nos Açores. Primeiro na recuperação da casta Terrantez do Pico e depois na casta Arinto dos Açores; e agora a atenção dada às vinhas velhas, que contribuem também para o momento qualitativo que hoje se vive nos vinhos dos Açores. Obviamente, na ilha da Madeira e em Porto Santo teria de manter os mesmos parâmetros de dinâmica e qualidade.

Na ilha de Porto Santo os solos são calcários e básicos. Os solos dominantes para as vinhas são os do tipo eolianitos (arenitos-calcários). São o resultado dos depósitos de conchas e restos de animais marinhos, formados no Quaternário e de origem eólica, representando 1/3 da superfície da ilha. Apesar de só existirem 14 hectares de vinha na ilha de Porto Santo, as vinhas impressionam, rasteiras sobre a areia, formando uma paisagem única. Se no Pico as vinhas são protegidas pelos currais, muros de pedra negra vulcânica, no Porto Santo estão resguardadas por muros de crochet, com pedra calcária branca. Pratica-se uma viticultura atlântica, vinhas de condução rasteira tradicional, junto ao chão, protegidas dos ventos fortes por caniçais ou muros. Além disso, tanto Porto Santo como a Madeira usufruem de um clima oceânico temperado, e Porto Santo em particular é a zona do país com menos pluviosidade.

Além do trabalho que dá produzir estes vinhos, outro desafio foi convencer os produtores locais a avançar nesta aventura. O primeiro a alinhar e permitir que se utilizassem as uvas das suas vinhas com mais de 80 anos para a produção do primeiro vinho, foi o sr. Cardina, que hoje é um dos principais fornecedores da adega. Uma pequena adega que ocupou um espaço de uma antiga garagem, mas onde nada falta e onde tudo se faz, inclusivamente o engarrafamento dos vinhos, que foi feito à mão.


Recuperar castas é a base do trabalho de António Maçanita
O sr. Cardina, no centro, ladeado por António Maçanita (à esq) e Nuno Faria (à dirt) foi o primeiro fornecedor de uvas da Companhia de Vinhos dos Profetas e Villões.



O chamado ‘vinho da corda’ era uma das formas como antigamente se preparavam os licorosos antes da chegada da aguardentação nos meados do séc XVII. As vinhas, antes plantadas mais junto ao mar, conseguiam atingir outros graus de maturação. As uvas quase em passa, permitiam um mosto naturalmente forte em álcool. A técnica consistia em depois esmagar essas uvas num lagar, onde o primeiro vinho mais claro e fresco era chamado de ‘a Flor’, mas era a partir da última prensagem do vinho chamado ‘vinho da corda’ que se espremia o mosto com mais sabor e com uma aparência mais dourada e carregada, tão na moda na altura. Este vinho da corda vem de uma dessas vinhas ensolaradas do Porto Santo e mostra o potencial desta ilha para estes vinhos ricos e naturalmente oxidativos.

Mas se Porto Santo tem tanto de interesse, encanto e qualidade para oferecer, a Madeira também. Por essa razão a Companhia de Vinhos dos Profetas e Villões não deixou escapar a oportunidade de também produzir vinhos na ilha da Madeira, focando-se em castas autóctones como Terrantez (Folgasão), Verdelho, Sercial, Boal (Malvasia Fina) e Tinta Negra. A área total da região vitícola da Ilha da Madeira é de cerca de 500 hectares. É uma paisagem única, caracterizada por solos de origem vulcânica, na sua maioria basálticos, e pela proximidade ao mar. O terreno tem declives muito acentuados, vencidos por socalcos. O sistema de condução mais tradicional é o de latada (pérgola), no qual as vinhas são conduzidas horizontalmente. Ao contrário do Porto Santo, a pluviosidade na Madeira é mais alta. 



Por outro lado, um vinho que também vale a pena destacar, é o tinto da Madeira, o Tinta Negra dos Villões 2022. Especialmente porque no passado a casta Tinta Negra era conotada com vinhos de menor qualidade, um facto que este tinto vem derrubar ao mostrar que, tal como outras castas mais nobres, também  a Tinta Negra consegue chegar longe. Para produzir este vinho Foram buscar uvas a vinhas de latada, de três parcelas situadas no Estreito da Câmara de Lobos e em São Vicente, ou seja, na costa do Sul e norte da ilha, uma zona mais quente e outra mais fria.  Os cachos foram desengaçados apenas a 70%. O seu tanino é por isso mais presente, o que lhe dá uma personalidade mais vincada, mas de forma elegante. Mineral, fumado e vulcânico. Uma vez mais, todo um terroir especial dentro de uma garrafa.