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Adega Regional de Colares

Fundada em 1931, a Adega Regional de Colares surgiu para defender e preservar a genuinidade dos vinhos de Colares. Nos tempos áureos do século XIX, a área de vinha circundante à vila de Colares chegou a ultrapassar os mil hectares. Hoje, restam pouco mais de vinte, dos quais nem todos estão explorados. O esforço da Adega Regional de Colares tem sido exemplar, na tentativa de recuperar a fama e o estatuto deste vinho tão característico.

A área que corresponde geograficamente à Denominação de Origem «Colares» situa-se entre a serra de Sintra e o Atlântico, reunindo as freguesias de Colares, São Martinho e São João das Lampas. Não se conhecem, até hoje, registos que indiquem quando se plantaram aqui as primeiras vinhas, sendo a referência mais antiga com data de 1154, constante da Carta Foral de Sintra. Ao longo os séculos, sempre se plantou vinho na região, sendo que a sua produção e fama viveram vários períodos e altos e baixos. A região é também afamada por ter sido a única a escapar à doença da Filoxera, que devastou as vinhas europeias no século XIX, já que os profundos solos arenosos de Colares, muitas vezes a atingir os 8 metros, não permitiam ao insecto atacar as raízes da planta. Assim, o conhecido vinho da casta Ramisco do «chão de areia» de Colares continua a ser proveniente de vinhas de «pé-franco», ou seja, obtido a partir de uma planta 100% europeia sem bacelo americano, como existe em toda a Europa. A sua plantação continua a exigir um enorme esforço, face à profundidade a que muitas vezes se têm que colocar ou ‘unhar’, os bacelos. Sendo uma planta que dá trabalho, necessita de grande atenção, e dá origem a escassa produção, trata-se hoje de um vinho raro.  

Filoxera, o insecto devastador a que Colares resistiu

A presença deste insecto devastador nos vinhedos europeus foi referenciada em Arles, na Provence, em França, no ano de 1863. Em toda a zona envolvente do Baixo Ródano foram detectadas plantas com sintomas. As folhas murchavam e caíam, as varas novas eram desprovidas de vigor e as uvas não atingiam a maturação. Três anos após o aparecimento da doença as plantas acabavam por morrer.

À época, uma das questões mais surpreendentes era o facto de as plantas doentes arrancadas do solo não possuírem praticamente sistema radicular, sem que ocorresse razão aparente para isso. Entretanto, a doença alastrava. Finalmente, em 1868, o professor Jules-Emile Planchon, da Universidade de Montpellier, associou a presença «de um insecto quase invisível, que se desenvolve no subsolo, produzindo milhares de descendentes e capaz de desencadear à destruição das vinhas mais vigorosas». De que insecto se tratava? Planchon, reconhecendo que o mesmo possuía uma fase alada, achou-o semelhante ao insecto causador de sintomas idênticos nas folhas dos carvalhos, a Phyloxera quercus. Tendo em conta o efeito terrível que esta doença causava nas vinhas, destruindo os seus sistemas radiculares, este professor de Farmácia e conhecido entomologista classificou-o como Phylloxera vastratrix, a filoxera devastadora. Naquela altura, a origem do insecto não estava estabelecida.

No século XIX, era uma prática comum coleccionar espécies botânicas especiais, classificá-las e, posteriormente, plantá-las em ecossistemas diferentes. Foi esta actividade que levou à introdução da Vitis americana, da Vitis Labrusca, na Europa, apesar da reconhecida inaptidão para ela produzir vinhos de qualidade. Mas tais importações trouxeram consigo doenças devastadoras para a vinha, como o oídio, o míldio e a filoxera. A grande vantagem das plantas americanas é a sua resistência à doença: são portadoras, mas imunes à filoxera.

Durante os anos 70 do século XIX desenvolve-se a ideia de plantar as cepas europeias sobre uma base de cepas americanas, que constituiriam a parte radicular da planta e contribuiriam para a resolução do problema. Mas os danos eram já elevadíssimos, e muitos anos se passariam até à optimização e utilização generalizada dos porta-enxertos. As alternativas não eram muitas: fumigação dos solos, alagamento, rega abundante da vinha com uma solução de sulfurocarboreto, utilização de solos de areia – embora nem sempre obtendo a qualidade de vinho desejada – entre outros.

O aparecimento da filoxera ocorreu pela primeira vez durante a crise do oídio e, ironicamente, a praga poderá ter resultado da importação de plantas de videira para avaliação da resistência ao oídio. Em Portugal, a filoxera surgiu pela primeira vez em 1867, na região do Douro. A praga destruiu inúmeras vinhas e levou ao abandono da cultura em muitos locais, por todo o país. Assim se compreende, por todo este historial, como as cepas de Colares são especiais.

Adega histórica

A Adega Regional de Colares surge em Agosto de 1931 e iniciou com 81 sócios, numa época em que se iniciaram os primeiros movimentos do associativismo agrícola. Com os mercados estrangeiros fechados devido ao período da Grande Depressão, milhares de litros de Colares ficavam parados nos armazéns, sendo que a filiação na adega tornou-se a solução mais viável para defender a genuinidade do Colares ao mesmo tempo que tinha espaço suficiente para os produtores guardarem os excedentes.

Em 1941, a Adega Regional de Colares começou a desempenhar funções de interesse público, passando a ter a exclusividade da certificação dos vinhos da região. Com o consumo a aumentar, nomeadamente com o incremento do mercado das colónias, a Adega conheceu excelentes resultados, e no final da década de 60 a produção chegou a atingir um milhão de litros. Este período folgado prevaleceu até ao corte das exportações provocado pela guerra do Ultramar, que acabou por instalar uma nova crise. Assim foi durante as décadas seguintes, com altos e baixos até que, a partir de meados da década de 90, o Instituto da Vinha e do Vinho publicou a legislação relativa à adega e à região demarcada, permitindo assim grandes melhorias a diversos níveis. Gradualmente, foi-se substituindo velhos equipamentos por outros, mais modernos. A aposta na criação de marcas próprias foi dos investimentos mais significativos, pois facilitou uma nova responder aos mercados, embora através de produções exíguas.

Ramisco, casta rainha da região

Bernardino Cincinnato da Costa (1900), reputado agrónomo e professor português, considera-a «uma casta tinta das mais notáveis de Portugal, pelo sabor e perfume agradabilíssimo que imprime aos vinhos que origina», e acrescenta ainda: «Frescura, graça, perfume, sabor, delicadeza, suavidade, nada lhes falta, quando oriundos de boas lavras, para serem vinhos completos».

As condições de produção tornam a obtenção de um equilíbrio de maturação muitas vezes difícil de alcançar. Para além de alguma sensibilidade a doenças como o míldio e o oídio, as plantas de Ramisco originam uvas com teores alcoólicos normalmente baixos, entre dez e meio a doze por cento de volume, acidez elevada e grande taninosidade, o que impede o seu consumo com prazer enquanto jovens, requerendo uma longa maturação.

As colorações não são normalmente intensas, os aromas podem inicialmente lembrar amoras silvestres e alguma resina. Na boca são vinhos frescos e de forte adstringência. As adulterações a que foram sujeitos ao longo do tempo fazem com que muitas vezes a abertura de um velho Colares possa ser uma lotaria.

Os vinhos da adega


A Adega Regional de Colares produz hoje vinhos provenientes de solos arenosos (os que deram fama ao vinho da região) mas também de chão rijo, mais barato e acessível, mas também típico da região. Conta com as marcas Arenae - DOC Colares (branco e tinto), vinhos complexos provenientes de solos arenosos; Chão Rijo-Regional Lisboa (branco e tinto), vinhos detentores do selo de qualidade, provenientes de solos não arenosos; e Serra da Lua - Vinho de Mesa (branco e tinto), vinhos despretensiosos para serem servidos em qualquer ocasião. Além disso, a adega continua a fornecer vinho a empresas engarrafadoras que o compram e vendem através das suas marcas.

Em 1995, o reconhecimento de Sintra como Património da Humanidade por parte da UNESCO veio dar novo alento ao vinho de Colares, sendo que a adega é a maior responsável pela produção de vinho da região.