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Alma de viticultor

João Póvoa é médico cirurgião oftalmologista em Coimbra, mas agricultor por paixão. As raízes familiares na vitivinicultura fizeram-no agora lançar um tinto especialíssimo, um topo dos topos da marca Gene.   

O vinho é um negócio, mas há vinhos que não são feitos para o negócio. São vinhos que, mais do que o lucro que podem dar, marcam a história de um produtor que quer fazer um vinho de qualidade com um objectivo puramente emocional. É o caso deste vinho – Gene – do produtor bairradino João Póvoa, que desde a sua infância esteve ligado à vitivinicultura e através dele pretende reviver e dar a conhecer momentos familiares passados na adega e na vinha com o avô materno, o pai e a mãe.

Foi o avô que o ensinou a fazer o vinho tradicionalmente num antigo balseiro de madeira. Já o pai ensinou-o a perceber e a seleccionar a qualidade das uvas na vinha para a produção de diferentes vinhos. Mas a vinha era o espaço da mãe, que o ensinou a intervir na vinha no momento certo. Com ela desenvolveu uma grande cumplicidade e com o seu apoio desenvolveu o seu primeiro projecto de produtor engarrafador em 1991 a 2007 na Quinta de Baixo, na Cordinhã, terras que já eram de família e onde construiu uma adega que entretanto vendeu. Foi neste ano de transição para outras aventuras que João fez este vinho, combinando três técnicas de três gerações: do avô os balseiros substituídos por barricas abertas de 700 litros, do pai os lagares abertos, e dele próprio o desengace e o estágio em barricas. Estes factos, contados pelo produtor, também surgem de forma mais pormenorizada no original rótulo de três folhas colado à garrafa.    
 

O vinho é vendido em embalagens de duas garrafas em formato de arquivo
O rótulo de vinho do Gene conta a história de três gerações. Uma homenagem à família.


Na altura em que fez o Gene, João Póvoa não quis mais pensar em vinho. Jurou a pés juntos que aquele seria o último vinho que iria fazer, o tempo era escasso, passado a maior parte do tempo em consultas no Hospital de Coimbra, e o vinho dava muito trabalho. No entanto, a paixão pela viticultura e pelo vinho sempre permaneceram no seu espírito inquieto e, em 2005, regressou às lides agrícolas com a Kompassus, uma empresa que aposta na produção de vinhos assente em raízes e tradições familiares. Por isso é um produtor que só faz vinhos de grande qualidade, sustentados por métodos de produção orgânicos e práticas de viticultura sustentáveis. Pelos cuidados que tem na vinha e na adega, e nos vinhos que produz, não é por isso de estranhar que João Póvoa seja considerado um reconhecido produtor, premiado inúmeras vezes pelas revistas da especialidade. Da sua equipa pequena mas entusiasmada equipa fazem parte o igualmente reconhecido enólogo Anselmo Mendes e, mais recentemente, Magda Costa, ex-Global Wines.

João Póvoa com o enólogo Anselmo Mendes


Sendo um entusiasta da ‘sua’ Bairrada, dos seus solos, clima e castas – a Baga foi desde logo selecionada como base de todos os seus vinhos tintos e espumantes. E as uvas são maioritariamente provenientes de vinhas velhas com mais de 70 anos de idade, dando origem a vinhos essencialmente vinhos naturais e de edições limitadas. Dentro da gama de vinhos que produz, este Gene vem colocar-se assim no topo da hierarquia e dá a conhecer um tinto mineral, poderoso, de corpo denso, concentrado e profundo.  Um vinho com uma grande complexidade e frescura, um clássico bairradino de chorar por mais. Tem Baga, claro (70%) mas também outras castas como a Touriga Nacional, Água Santa (que surgiu na Bairrada nos anos 50 e por ali ficou), Moreto de Cantanhede (quase extinta e que João Póvoa anda a recuperar) e Bastardo, todas elas provenientes de vinhas velhas.

Depois de produzido, o vinho estagiou em barricas de carvalho francês de 300 litros durante dois anos (1 ano em barricas novas, e o ano seguinte transportado novamente para barricas novas), tendo sido finalmente enchidas 2400 garrafas, das quais só serão lançadas no mercado 1500. Vendido numa original embalagem que lembra uma pasta de arquivo (o tal arquivo das memórias familiares), o vinho rondará os 190 euros (2 garrafas) em garrafeiras de referência.