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As Irresistíveis Algas do Chefe

Situado no piso térreo do Art Legacy Hotel, em Lisboa, o restaurante Áurea conta com a mestria de Pedro Mendes ao leme de uma cozinha que revela o seu percurso culinário, incluindo as algas com as quais tanto gosta de trabalhar. A carta de vinhos também assume aqui um papel de relevo. 

Pedro Mendes é, reconhecidamente, o chefe de cozinha que mais trabalha com algas no nosso país. Apaixonado pelo produto, tem deixado uma marca nos restaurantes onde trabalha, e agora não poderia ser diferente, no restaurante Áurea, na rua que lhe dá o nome, inserido no recente hotel de cinco estrelas, o  Art Legacy.

Clássico e elegante por fora, colorido e irreverente por dentro, o edifício do hotel, que se encontrava em estado avançado de degradação, ganhou nova vida. Uma vida que nos remete à baixa pombalina do século XX, época em que era o centro do comércio de prestígio lisboeta. Nos anos 20, os números 175 a 181 da rua do Ouro eram ocupados pela Companhia de Seguros Sagres, que ocupava os quatro andares do edifício de imagem clássica e imponente, adequada a uma empresa que ambicionava reconhecimento global. O Café Cafouro (mais tarde Tofa)  também ali teve morada, no piso inferior, numa altura em que as lojas ditavam a abertura de largas montras para o exterior. Os mais recentes anos da história, principalmente depois do 25 de Abril, não contribuíram para a dignificação do edifício, que se foi degradando.

Após vários anos como prédio devoluto, foi entretanto adquirido pelo empresário Acácio Teixeira, proprietário do AT Group Hospitality (detentor das marcas My Story Hotels, Art Legacy Hotels, Seaside e Herdade do Monte Branco) para dar lugar ao seu primeiro hotel de cinco estrelas em Lisboa. Para o fazer renascer, chamaram o arquiteto português Luís Rebelo de Andrade, que manteve o estilo clássico do edifício no exterior e, para contrastar, uma decoração surpreendente e arrojada no interior. Optou então pela Moooi  – uma marca sediada na Holanda e criada em 2001 pelo designer Marcel Wanders – conhecida pelas suas cores ousadas e padrões exóticos, que coexistem tanto nos espaços privados como nos públicos, incluindo no restaurante. Lá em cima, cada piso tem uma cor, e os 53 quartos (sete dos quais suites), têm uma linguagem comum, embora sejam distintos entre si.


A cozinha é aberta para a sala, permitindo aos clientes verem a cozinha em acção. Fotos da sala: João Guimarães..
A decoração do hotel, incluindo do restaurante, é da marca holandesa Moooi
Pedro Mendes é um dos chefes portugueses que mais trabalha as algas. Foto: Jorge Santos



O menu, claro, é bem marcado pela presença de algas e ervas marinhas, mas não só. Existem entradas sem elas, como os Ovos verdes e caviar, ou a Feijoca, mouras e toucinho branco, para acordar o paladar. E também pratos principais, como o Lombo de bacalhau, sames, línguas e grão; ou a Pintada ao convento de alcântara com foie gras e trufa, que são também uma delícia. Por último, as sobremesas, o Mil folhas lisboeta ou o nata, por exemplo. Todos eles pratos para quem quer fugir das algas. No entanto, vale mesmo a pena experimentar as algas quando surgem noutros pratos, ou nos menus de degustação (de 3 pratos ao almoço;  5 ou 7  ao jantar) que o chefe idealizou e que surpreendem sempre pela sua inesperada delicadeza e elegância de sabores. Todos os menus podem ser acompanhados por diferentes vinhos que compõem uma carta (ainda em construção) da autoria do sommelier Nelson Guerreiro, da vizinha Garrafeira Nacional, e consultor de vinhos do Áurea, que  selecionou para o restaurante 260 referências. Vinhos diferenciadores, de pequenos produtores e enólogos de diversas regiões nacionais, incluindo espumantes e fortificados. A nível internacional a carta também conta com alguns vinhos franceses (das regiões de Chablis e Champanhe), espanhóis (da Rioja), alemães  (de Mosel) e italianos (da Toscana).    



Sabor a mar

Quem vem ao Áurea, experimentar um dos menus, com algas e ervas marinhas, é quase obrigatório. Assim se iniciou uma viagem de 5 momentos onde o mar esteve sempre presente, do couvert à sobremesa.

Logo no início da refeição, não bastasse a originalidade do pão de algas, a manteiga também brilhou, literalmente, não fosse um dos seus ingredientes ouro comestível (homenagem do chefe à rua que dá nome ao restaurante). Logo de seguida, como entrada, vieram para a mesa ostras marinadas com alho francês e salicornia (erva marinha), harmonizadas na perfeição com um branco - Hugo Mendes Lisboa 2019 - de onde se destacaram notas salinas, também presentes no prato.


As Ostras marinadas harmonizaram com o branco Hugo Mendes Lisboa 2019. Fotos: Jorge Santos



Uma das receitas mais emblemáticas do chefe - o Brás de Algas e Vieiras laminadas com cabelo de velha (uma alga de fios escuros e emaranhados) e caviar desidratado – foi também um dos pratos mais apreciados. Presente no prato está também a alface do mar, outra alga que, segundo nos explica Pedro Mendes, «é a mais lisboeta das algas, a mais predominante do estuário do Tejo».

As algas têm muita riqueza nutricional, texturas muito interessantes e uma diversidade e sabores originais, o que as torna muito apetecíveis. Maioritariamente, ainda são desconhecidas à mesa, mas o papel do chefe tem sido democratizá-las: «Temos dois fornecedores importantes a fazer este trabalho das algas em Portugal. Um faz cultivo de algas, e o outro vai apanhá-las ao mar, sobretudo no norte de Portugal e na Galiza», revela o chefe. A acompanhar o Brás, foi servido mais um branco, o Casal das Aires Chardonnay 2021, da região Tejo. Mais um vinho cheio de notas salinas, e também minerais, seco e com boa presença no paladar, que se conjugou muito bem com o Brás.

 

O Brás de algas e Vieiras é um dos pratos mais emblemáticos do chefe. Harmonizou com o branco Casal das Aires Chardonnay, da região Tejo. Fotos: Jorge Santos



O mar continuou a vir para a mesa no prato seguinte: um Carabineiro do algarve com toucinho branco, xerém de algas e bivalves, com telha e molho do marisco. Uma receita de sabores intensos, mas sempre presentes na medida certa, sem marcar demasiado. Acompanhou o prato mais um branco da região de Lisboa , do enólogo e produtor Hugo Mendes, este de Curtimenta, da colheita de 2022. Como o próprio nome indica, o vinho fez um estágio pelicular durante seis meses; tendo sido fermentado sem temperatura controlada, e sem passar pela madeira. 

  

O carabineiro harmonizou com um vinho de Curtimenta de Hugo Mendes. Fotos: Jorge Santos



Carabineiro do algarve com toucinho branco, xerém de algas e bivalves, com telha e molho do mariscoApesar da carta de vinhos ser maioritariamente de brancos «até porque a delicadeza dos pratos assim o pede», diz Pedro Mendes, também existem tintos igualmente interessantes a acompanhar peixe, com um perfil fresco e suave, que ligam muito bem com estes pratos. Foi o caso do Casal das Aires Pinot Noir 2022 que acompanhou um delicioso Pregado com puré de aipo; seguido de um Crumble de algas com gelado de Wizu, gelatina de alho e alface do mar desidratada.

O Pregado (em cima) e o Crumble (em baixo) harmonizaram com um Pinot Noir. Fotos: Jorge Santos
Um tinto suave também liga bem com peixe desde que não ultrapasse o prato em estrutura. É o caso deste Pinot Noir 2022 do Casal das Aires (em baixo)



Para terminar os momentos do menu, a sobremesa, da pasteleira Cátia Toulson, em formato de maçã, mas com interior de mousse de poejo e caramelo, temperada com granizado de Codium, outra espécie de alga muito saborosa. Para harmonizar com a sobremesa foi escolhido um vinho da Madeira, um Verdelho 10 anos da Barbeito, que fechou a refeição com chave de ouro.  

  

A sobremesa (da pasteleira Cátia Toulson) onde também estão presentes as algas no granizado de Codium harmonizou com um vinho da Madeira, o Verdelho 10 anos da Barbeito. Fotos: Jorge Santos




Para quem gosta de experiências gastronómicas, o restaurante Áurea é uma excelente opção para ter uma refeição diferente e criativa. «Sendo um restaurante de assinatura marcado pelas minhas experiências, onde tenho a liberdade de criar e de dar a conhecer o meu trabalho, é um prazer ver a reação das pessoas. Quem nunca comeu algas fica surpreendido pela experiência, e quem comeu e gostou volta para repetir. Está a ser um grande desafio», remata o chefe. 

Recorde-se que o percurso de Pedro Mendes sempre foi pautado pela curiosidade do conhecimento, de sempre querer saber mais. A sua história culinária iniciou na Bélgica, tendo posteriormente percorrido outros países europeus a descobrir outras gastronomias, como a Holanda, França, Inglaterra e Irlanda. Regressou a Lisboa em 2001 e foi co-proprietário e chef no restaurante 39 Degraus (Cinemateca Portuguesa), no MMCafé (Teatro Maria Matos) e no São Jorge Café (Cinema São Jorge). Em 2007, mudou para o Algarve, tendo passado pelos restaurantes Way Point, no Marina Club Hotel, em Lagos; no The Dolphin Restaurant, e na A Concha, ambos na Praia da Luz. Também aqui teve o seu próprio espaço, o Restaurante & Taberna by Pedro Mendes.

Entre as várias formações feitas ao longo dos anos, destaca-se a sua passagem pela Academia Alain Ducasse – Les Rencontres Etoilées – uma formação exclusiva a 10 Chefs por ano selecionados pelo mundo. É também consultor e autor de livros de cozinha, dos quais se destaca o ‘O Renascer da Bolota’ (Prochef Agency), uma obra inédita em Portugal sobre a utilização da bolota na culinária, reunindo um conjunto de receitas de sua autoria; e o «Algo com Algas», um livro com 40 receitas cujo elemento central são, obviamente, as algas da costa portuguesa.

Como chefe, passou ainda pelo restaurante Narcissus no Marmòris Hotel & SPA (Alentejo); pelo Maria Pia (Cascais), pelo Hotel Octant Vilamonte (Algarve); foi consultor do restaurante da Quinta do Quetzal (Vidigueira); e deu formação na EHTP de Portalegre.