Entrevistas

Bento Amaral – O Mestre do vinho do Porto

É formado em Engenharia Alimentar e trabalha no Instituto do Vinho do Porto (IVDP), onde presentemente assume as funções de Director de Serviços Técnicos e de Certificação, função que acumula com o cargo de professor da Universidade Católica do Porto. Uma personalidade marcante do mundo do vinho português à qual ninguém é indiferente.

Quando é que começou o seu interesse pelo vinho?
O interesse pelo vinho foi despertado perto dos 20 anos, pelo mistério que o envolvia, a paixão das pessoas que trabalhavam com ele e que nas suas palavras notava-se que respiravam o vinho. E também por ser um produto importante na cidade em que vivia, o Porto. Por tudo isso, sentia curiosidade em conhecê-lo melhor.

O seu curso é de Engenharia Alimentar. Quando é que sentiu que o vinho era o caminho a seguir?
Os primeiros entusiasmos foram por volta do terceiro ano do curso, ao querer aprofundar essa grande curiosidade relativa ao vinho. Mas a certeza definitiva foi quando fiz um Erasmus no quinto ano, em que estive em Bordéus. Aí apaixonei-me verdadeiramente pelo vinho. Sabia que era nisso que queria trabalhar.

Além de ser responsável pela Câmara de provadores, também ensina na Universidade
Sim, além do meu trabalho no IVDP, dou aulas de análise sensorial nas pós graduações de enologia na Universidade Católica do Porto. Para mim é um prazer poder falar de um tema que tanto gosto como é o vinho. Tenho tido alunos interessados, muitos deles já com uma carreira profissional de sucesso, o que permite uma troca de opiniões que também me valoriza. Por isto tudo é um verdadeiro prazer dar aulas.

O vinho do Porto é uma paixão?
Sim, é uma paixão. Pela sua história, diversidade, qualidade, notoriedade e prestígio no estrangeiro, honrando Portugal e a minha cidade, o Porto. É um privilégio provar vinhos que por vezes têm mais de 100 anos ou têm capacidade de envelhecer essa quantidade de anos. E também por ter a possibilidade de provar vinhos tão diversos como um Vintage ou um Tawny com 40 anos, passando por Portos brancos e rosés. Por tudo isto, o vinho do Porto é uma paixão.

Qual foi o vinho do Porto que provou que mais o impressionou?
Há vários, mas dada a minha posição profissional não gostava de falar de marcas. Contudo, como disse anteriormente, diria que vinhos muito velhos ou que têm capacidade de envelhecer por muito tempo impressionam-me. Pelo que ‘viram’ da história do Homem, pelos anos que passaram e por mesmo assim se encontrarem com grande qualidade. São vinhos que com o tempo foram ganhando qualidade, algo que eu gostaria que acontecesse com a minha vida, que com a passagem do tempo fosse ganhando sabedoria. Os vinhos novos, como os Vintage 2011, que têm um potencial de envelhecimento enorme, e que continuarão bebíveis já depois de eu ter morrido, impressionam-me pela qualidade que têm à nascença, mas também porque continuarão com a mesma qualidade, mas ganhando características diferentes, indo durar muito mais tempo do que eu…

Conte-me um episódio caricato que lhe tenha acontecido no mundo do vinho…
A história tem uma piada relativa, mas no momento não achei nenhuma! Estava numa aula a comentar um vinho tinto estrangeiro com um copo com vinho à minha frente, e a cada aluno ia descrevendo as características sensoriais do mesmo. Comecei a descrever, usando os descritores mais comuns da casta desse vinho. A determinada altura, comecei a achar um pouco estranho aquele vinho para o perfil da casta. No momento a seguir apercebi-me que tinham trocado a ordem dos vinhos e que estava a falar de um vinho de uma casta diferente. Corrigi a situação, mas deu para que os alunos entendessem as condicionantes que existem na prova. Achando que é um determinado vinho, encontramos logo nele os aromas que procuramos, mesmo que não estejam lá. Para mim foi uma lição de humildade como tantas outras que tenho tido ao provar vinhos. Para os meus alunos deve ter sido uma piada verem o professor enganar-se e falar erradamente de um vinho de uma forma convincente!

Fale-me de uma personalidade do mundo vinho que o tenha marcado?
Há várias como, por exemplo, o João Nicolau de Almeida, pela forma ‘artística’ como interpreta o vinho e pela sua humildade. Outro exemplo é o Dirk Niepoort, pela sua visão, entusiasmo e paixão pelo vinho. Finalmente, não queria deixar de fazer uma referência a uma pessoa colectiva que são todos os trabalhadores à volta do vinho, que dedicam a sua vida para o produzir, desde os pequenos produtores e viticultores, aos gestores das grandes empresas. Tenho um enorme respeito por quem investe um ano de trabalho para produzir o vinho que pretende que seja o melhor possível.


BIOGRAFIA

Iniciou-se na prática da vela muito novo, mas aos 25 anos um acidente na praia (foi projectado por uma onda e partiu a coluna) deixou-o tetraplégico. Isso não o demoveu de novos desafios. Começou a praticar vela adaptada, chegando a ganhar medalhas em competições e a sagrar-se campeão no campeonato do mundo realizado em San Felice Circo (Itália). Esta personalidade marcante, de enorme inteligência e sensibilidade é revelada também na sua vida profissional. Formou-se em Engenharia Alimentar e, em 1999, começou a trabalhar no Instituto do Vinho do Porto (IVDP),onde foi Chefe da Câmara de Provadores do Vinho do Porto até 2013. Desta data até ao momento, é o Director de Serviços Técnicos e de Certificação, o departamento que certifica os vinhos do Douro e Porto, após análise e prova. A par destas funções, é ainda professor de Análise Sensorial nas pós graduações de enologia na Universidade Católica do Porto.

A complementar a sua carreira, em 2009 foi condecorado pelo Presidente da República com a Ordem do Infante D. Henrique. Foi igualmente condecorado em 2014, como ‘Chevalier dans l’Ordre du Mérite agricole’ pelo Governo francês por ter prestado serviços de relevo no campo da prática da agricultura, nas indústrias ligadas à área agroalimentar, e nos serviços públicos, assim como por se ter empenhado no desenvolvimento das relações de cooperação com a França nessa área.

Nas eleições legislativas de 2011, integrou as listas do Movimento Esperança Portugal 2. Em 2013, lançou o livro «Sobreviver» em que relata a sua experiência de vida (além de enólogo e professor, foi atleta tetraplégico, campeão do mundo de vela adaptada no ano de 2005 e representou Portugal nos Jogos Paraolímpicos de 2008).