Bicentenário do Vesúvio: Tradição e Vinho

A Quinta do Vesúvio, no Douro, celebra este ano 200 anos. Originalmente chamada Quinta das Figueiras, a propriedade foi adquirida pela família Ferreira em 1823, sendo a sua mais famosa proprietária a emblemática D. Antónia, mais conhecida por ‘Ferreirinha’. O seu legado, assim como o da Família Symington, que adquiriu o Vesúvio em 1989, são marcos importantes nesta trajetória bicentenária.
Olhando para a bela casa rodeada de vinhas, inserida numa paisagem de perder a respiração, composta por sete colinas e pequenos vales, não é de estranhar que a Quinta do Vesúvio tenha sido uma das propriedades preferidas de D. Antónia. Esta antiga quinta, com registos que datam do século XVI (1565) mas que só iniciou a produção de vinho em 1823, situa-se no Douro Superior, a 120 km da costa atlântica de Portugal e a 30 km da fronteira com Espanha. Adquirida pela família Symington em 1989, a quinta é das poucas propriedades na região a manter o método tradicional de pisar uvas em lagares de granito, construídos em 1827. São 326 hectares, dos quais 133 são de vinha, onde estão presentes as castas Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Alicante Bouschet, Sousão, Tinta Amarela e um mix de Vinhas Velhas. A altitude das vinhas variam entre 106 e 462 metros, sendo propícia para a produção de vinho do Porto (Vintage) e de mesa.
Para celebrar este lugar e a produção de vinho, os Symington organizaram um evento onde deram a conhecer os detalhes mais interessantes de um percurso que qualquer apreciador de vinho tem obrigatoriamente de conhecer, já que Quinta do Vesúvio não só se notabilizou a produzir vinhos do Porto (desde o tempo da D. Antónia) como mais recentemente vinhos de mesa.
No tempo de D. Antónia, o Douro Superior era bem diferente, maioritariamente selvagem, de difícil navegação e com enormes maciços de granito que dificultavam a construção de terraços. Só no final do Séc. XVIII, com recurso a dinamite em zonas como o Salto da Sardinha, a navegação se tornou mais fácil. Consequentemente, as propriedades que aqui existiam, como a Quinta das Figueiras, eram compostas por olivais, laranjais e cereais. No caso específico da Quinta das Figueiras, produziam-se aqui 3.000 litros de azeite e 3.000 quilos de centeio.

A compra da Quinta das Figueiras há duzentos anos e a sua transformação na magnífica propriedade vitivinícola que conhecemos hoje surge como resultado da instabilidade que Portugal e o Douro viveram no início do século XIX. Portugal sofria as repercussões das invasões francesas entre 1907 e 1910, existia uma enorme instabilidade política, social e económica e problemas graves de sucessão. Como resultado da Revolta Liberal de 1820, o Governo Constituinte de origem militar que tomou conta do país durante três anos, retirou imensos poderes à Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro e aboliu os limites da Região Demarcada em 1822.
Ainda que essas delimitações tenham sido restabelecidas após a vitória de D. Miguel na Vilafrancada de 1823, esse período curto foi suficiente para abrir as portas a investimentos vitivinícolas no Douro Superior. Foi nesse período de instabilidade que António Bernardo Ferreira, tio e sogro de D. Antónia, e um reconhecido comerciante de vinho originário da Régua, compra a propriedade e decide aqui fazer um investimento como nunca tinha sido visto no Douro.
O trabalho e investimento que aqui se fizeram há duzentos anos são praticamente inimagináveis. Do zero, e sem recurso a qualquer tecnologia, foram aqui plantados 150 hectares de vinha e milhares de muros foram feitos à mão. Esta grande obra demorou 13 anos a concluir. Iniciou-se com 100 trabalhadores, mas ao fim do terceiro ano eram 500 pessoas que ali trabalhavam diariamente. Ainda que o projeto de plantação chocasse pela dimensão e ambição, a adega que António Bernardo construiu e concluiu em 1827 não ficava atrás.
O facto de ainda hoje esta estar completamente operacional e pouco alterada estruturalmente é um testemunho à qualidade da obra com quase duzentos anos. A estes dois projetos juntam-se ainda a construção da casa, dos cardanhos para os trabalhadores e da azenha da quinta. Desta azenha ainda se consegue identificar em alguns pontos o encanamento de água em granito que tinha mais de um quilómetro de comprimento (este era usado para encaminhar a água desde a Ribeira da Teja até ao sistema hidráulico que alimentava as prensas da azenha)
Após a morte do seu primo e marido em 1844, Dona Antónia assumiu o controlo da quinta. Durante o seu tempo, para além de alterações à casa, capela e a construção da escola, D. Antónia terá um papel determinante na manutenção da enorme comunidade que habitava no Vesúvio.


Durante a Filoxera, para não ter de despedir trabalhadores, D. Antónia ordenou a construção de um muro à volta de toda a propriedade (muro que ainda hoje existe) e a plantação de enormes áreas de olivais e amendoais nas zonas afetadas pela praga que dizimava as videiras. Esta mesma preocupação com a comunidade é vista na negociação com a Companhia Real dos Caminhos de Ferro, ao conseguir a construção de uma estação na propriedade – inaugurada em 1887. Para imaginarmos o impacto que esta estação teve na vida das pessoas que aqui habitavam, basta imaginar o quanto eram difíceis e demoradas as viagens até a esta remota quinta.

Symington, uma nova era
Em 1989, a família Symington teve a oportunidade de adquirir a Quinta do Vesúvio. A qualidade das uvas e a orografia do terreno, com as suas variações de altitudes e exposições solares tornavam este lugar mas do que apetecível para a produção de vinhos premium com uma personalidade muito própria. A história da compra não foi simples, e a persistência em concluir o processo foram prova do compromisso profundo da Symington com o Vesúvio.
Após adquirirem a propriedade, começaram por revitalizar as vinhas existentes, ampliar a área de plantio e, acima de tudo, restabelecer a fama na produção de Portos Vintage.
Cientes da cultura duriense e do valor histórico da propriedade, os Symington decidiram também manter a tradicional pisagem a pé, sendo das poucas quintas no Douro ainda a realizar este processo. Para tal, foram realizadas obras na adega, de forma a modernizar e melhorar a eficiência dos processos, sempre mantendo intacta a prática tradicional. Hoje, com orgulho, a Symington bem pode orgulhar-se dos resultados obtidos.



Passando aos vinhos de mesa, desde 2009 até à actualidade, os vinhos DOC têm assistido a uma notável evolução. O projecto DOC Douro teve o seu marco inicial na colheita de 2007, destacando-se pela produção do Pombal do Vesúvio e do Quinta do Vesúvio, ambos introduzidos no mercado em 2009. Mais tarde, ampliando o leque de ofertas da gama DOC Douro, surgiu ainda o Comboio do Vesúvio. A sua primeira colheita remonta a 2018 e foi lançada ao público em 2021. O seu nome não foi escolhido ao acaso, sendo uma clara homenagem à transformação que a linha férrea trouxe ao quotidiano da comunidade do Vesúvio. Não menos interessante é o facto d a imagem da locomotiva presente no rótulo representar o modelo que, segundo pesquisa nos arquivos da CP, funcionava no final do século XIX (1887).
Ao assinalar os 200 anos da Quinta do Vesúvio, o reconhecimento deste legado histórico é inevitável. Este bicentenário representa a longevidade de uma propriedade, mas também uma história de tradição e inovação que se mantém viva em cada garrafa produzida. A capacidade de uma quinta que continua a emergir, não só como guardiã da história, mas também como protagonista de um futuro sempre promissor.

