Chryseia: O Amor de Bordéus e o Douro Continua…
No passado mês de Setembro, a Prats & Symington apresentou a nova colheita do seu emblemático Chryseia (2022). O evento, realizado no novo Restaurante Pedro Lemos, no Porto, contou com a presença do enólogo Bruno Prats e do produtor Rupert Symington. Este vinho, que desde as últimas duas décadas se tem afirmado como um dos mais prestigiados DOC Douro, é fruto da colaboração entre as famílias Prats, de Bordéus, e Symington, do Douro.
Rupert Symington e Bruno Prats (à esq e à dirt, na foto de entrada, respectivamente) pertencem a famílias marcadas pela elegância, integridade e valores sólidos, características que, por si só, já inspiram confiança em negócios de sucesso. Embora saibamos que a parceria foi selada por contrato, a mesma poderia muito bem ter sido firmada com um simples aperto de mão, tal é a credibilidade e seriedade de ambas as partes.
A join venture entre as duas famílias, amigas há muitos anos, iniciou em 1999 e foi pioneira na fusão das tradições e conhecimentos de duas das mais conceituadas regiões vitivinícolas do mundo. Bruno Prats, ex-proprietário do Château Cos d'Estournel em Bordéus, e desde a venda da sua propriedade consultor internacional de vinhos, juntou-se aos Symington, os maiores proprietários de vinhas no Douro (27 quintas na região, totalizando cerca de 1000 hectares de vinhas). Entre as marcas emblemáticas da Symington destacam-se, além das de vinho do Porto, outras tantas de vinhos tranquilos, entre as quais o Chryseia, um topo de gama com um perfil bordalês que marcou a diferença na região, sem no entanto deixar de respeitar profundamente as castas e o terroir do Douro.
Quando foi lançado pela primeira vez no mercado, o Chryseia teve logo um impacto internacional. A segunda colheita, de 2001, marcou pela sua entrada no TOP 100 anual da prestigiada revista Wine Spectator, com uma posição de destaque no 19.º lugar e 94 pontos. Anos mais tarde, em 2013, o Chryseia 2011 conquistou 97 pontos, tornando-se no segundo vinho tranquilo português mais bem classificado pela mesma revista, e o terceiro, no TOP 100, de 2014. Outros prémios e classificações se seguiram em anos posteriores, tornando-o num dos melhores vinhos portugueses.
Esta parceria tem assim desempenhado um papel crucial no reconhecimento e valorização dos vinhos não fortificados da região. O Chryseia, em particular, destacou-se como um dos precursores nesta evolução, afirmando-se como um ícone da qualidade e potencial do Douro para vinhos de excelência. Além do Chryseia, a Prats & Symington também produz ainda outros vinhos DOC Douro de renome, como o Post Scriptum e o Prazo de Roriz, ambos reconhecidos pela sua qualidade e expressividade do terroir da região.
PERFIL DO VINHO
Desde o primeiro ano da parceria, procuraram-se as melhores castas e parcelas de vinho, e fizeram-se várias experiências e ensaios. Na sequência desse trabalho, Bruno Prats escolheu as castas Touriga Nacional e Touriga Franca para a base do Chryseia, que desde então compõem o blend (em algumas edições é salpicado com uma percentagem mínima de Tinta Amarela e Tinto Cão). Variedades rigorosamente seleccionadas a partir das Quinta de Roriz e da Quinta da Perdiz, propriedades da Prats & Symington. Como em todas as edições anteriores do Chryseia, na colheita de 2022 houve também o habitual contributo das uvas da vinha vizinha de Roriz - Quinta da Vila Velha - propriedade particular de Rupert Symington.
Os três meses anteriores à vindima foram dos mais quentes e secos alguma vez registados no Douro, com uma sucessão de ondas de calor sem precedentes na sua intensidade e duração. Até ao final de agosto, houve 70% menos chuva do que a média de 30 anos, o que deixou os solos ressequidos. Contudo, as vinhas mantiveram-se em surpreendente bom estado, com poucas a mostrarem sinais de stress hídrico, testemunho da sua resiliência e adaptabilidade a condições duras. Setembro trouxe assinalável descida das temperaturas diurnas e noturnas, o que teve impacto muito positivo nas vinhas, ao mitigar o stress hídrico e ao proporcionar as necessárias condições para a progressão das maturações.
Após a vindima e selecção das melhores uvas, o mosto fermenta em inox com maceração, remontagem e temperatura controlada. Depois estagia 15 meses em barricas de 400 litros de carvalho francês maioritariamente novas e 20% usadas. Produzido quase todos os anos, é um tinto de grande nível, de aroma mineral, frutos silvestres e notas florais evidentes. No paladar é muito fresco, sedutor e envolvente. Termina persistente.
ENTREVISTA A BRUNO PRATS:
Maria João de Almeida (MJA): Em 2022, que foi um ano quente, preservar a frescura foi um desafio, e para alcançar isso, vocês fizeram a colheita em dois períodos diferentes. Poderia explicar um pouco mais sobre como esse processo funcionou?
Bruno Prats (BP): Sim, sem dúvida. Começámos muito cedo, no dia 28 de agosto, o que é duas semanas mais cedo do que o normal. Depois fizemos uma pausa e retomámos no dia 11 de setembro e só terminámos em outubro. A Touriga Franca foi colhida quando estava madura, e a Touriga Nacional foi colhida pouco antes de estar sobremadura. Assim, o plano funcionou muito bem, e conseguimos preservar a elegância, frescura e a sedução do estilo do Chryseia.
MJA: Na sua opinião, qual foi a melhor colheita até agora?
BP: Isso depende muito de quando está a ser bebido. Por exemplo, 2011 é certamente uma das melhores colheitas, mas eu não a beberia agora, precisa de pelo menos mais 10 anos. Por outro lado, 2015 não é geralmente considerado um ano excepcional, mas para mim é o mais atraente neste momento, pois a sua evolução tem sido perfeita. Na verdade, penso que 2022 tem muitas semelhanças com 2015…
MJA: Depois de todos estes anos a trabalhar com a Symington, como se sente em relação a esta parceria?
Bruno Prats: Depois de tantos anos, penso que ambas as partes beneficiaram muito com esta colaboração. É como um casamento... e sem crises, o que é raro! (Risos)… Partilhamos os mesmos objetivos, o que é fundamental para qualquer parceria de sucesso. O nosso principal objetivo é fazer um vinho extraordinário no Douro, não seguir modas, mas manter-nos fiéis ao que acreditamos que pode ser um grande vinho desta região. E acredito que conseguimos alcançar isso.
MJA: Depois de todos estes anos, ainda se sente entusiasmado quando visita o Douro?
BP: Sim, absolutamente. Mas também é um desafio, porque o clima está a mudar. Há muitas coisas às quais tivemos de nos adaptar. Por exemplo, agora temos câmaras de refrigeração para baixar a temperatura das uvas antes do processamento, algo que não era necessário quando começámos, mas que hoje é essencial.
MJA: Tendo em mente as alterações climáticas, alguma vez considerou mudar as castas do Chryseia?
BP: Bem, em Bordéus estão a considerar usar a Touriga Nacional para enfrentar o aquecimento climático, mas no Douro isso ainda não acontece, as castas ainda estão bem adaptadas à região. As mudanças, na minha opinião, devem ser na forma como tratamos as vinhas. Talvez precisemos de dar mais sombra às uvas, deixando mais folhagem para as proteger do sol.
MJA: Então podemos estar tranquilos, o Chryseia vai continuar a ter o mesmo estilo…
BP: Sim, aredito que uma casta dá o seu melhor na sua região de origem. É o caso. Recorde-se que, por exemplo, em frança, o melhor Sauvignon Blanc vem de Sancerre; o melhor Pinot Noir da Borgonha; e o melhor Cabernet Sauvignon do Médoc. É difícil mudar isso.