Cláudio Martins, as aventuras de um Wine Advisor
O embaixador da mais cara marca de vinho do mundo é português. Cláudio Martins tem ainda uma carteira de clientes de renome internacional e alguns projectos em Portugal. Após ter viajado da Serra da Estrela para Londres há quase vinte anos em busca de novas oportunidades, e de ter percorrido meio mundo, o bom filho à casa torna.
O que leva um
miúdo da Serra da Estrela a Londres?
Fui para Londres no ano 2000, tinha acabado a escola secundária e não quis ir para universidade, preferi trabalhar. Como tinha família em Londres decidi ir até lá para ver o que se passava. Nessa altura ainda não me dedicava aos vinhos, já tinha trabalhado no ramo de hotelaria, mas só mais tarde, quando trabalhei num bar restaurante que tinha mais de 200 vinhos na carta é que me começou a despertar o interesse para os vinhos. Eu era empregado de mesa mas rapidamente passei a responsável do bar, o que me abriu o ‘apetite’ para aprender ainda mais. Obviamente, isso começou a dar-me outra estaleca. Depois quis logo tirar os WSET, estudei mais, tirei outros cursos, incluindo um de Marketing, e assim se foi construindo a minha vida profissional.
Inglaterra não é um produtor de vinho
por excelência, daí ter a vantagem de importar muitos vinhos de outros países
do mundo, o que deve ter dado jeito para aprender…
Sim, sem dúvida, não sendo um país
produtor é um país onde existem grandes lojas e garrafeiras fantásticas, além
de grandes distribuidoras. Ter tido acesso a isto tudo foi essencial para a
minha formação e também para aprender cada vez mais.
Trabalhaste em Londres
em vários projectos mas a determinada altura decides trabalhar por conta própria…
Quando é que isso acontece?
Foi no início de
2014, na altura eu estava a trabalhar na abertura de uma loja de vinhos no
centro financeiro de Londres e, logo a seguir, criei a minha própria empresa, a
Martins Wine Advisor. A partir daí
comecei a fazer consultoria em diferentes áreas para clientes privados, e para
uma empresa de investimentos em vinhos raros. Mas o meu foco eram mesmo os
clientes privados com grande capacidade financeira, que queriam organizar as
suas garrafeiras, queriam vinhos para ter em casa, nos iates, nos jactos
privados…
E o que querem
essas pessoas?
Ao contrário do que
se pode pensar, estas pessoas não querem só Bordéus ou Borgonhas famosos e
caríssimos. Eles compram vinhos desses, claro, mas também querem alguém que os
aconselhe a comprar outros vinhos diferentes e que também os eduque noutro
sentido. Gostam de conhecer novos vinhos , aprofundar os seus conhecimentos e
foi aí que eu comecei a singrar. Foi a partir daqui que comecei a criar uma
networking, a ter maior contacto com este tipo de clientes.
E de Londres
passas para o mundo…
Sim, principalmente
a partir de 2016, ano em que me convidam a fazer consultoria numa empresa de
importação e distribuição de vinhos sediada em Zurique. O dono desta empresa
estava associado ao Champagne Armand de Brignac. A marca estava muito
direcionada para a noite, festas e lifestyle, e eles queriam mudar um pouco,
chegar mais perto dos sommeliers. Essa empresa tinha também duas lojas e eu
trabalhei com eles em termos de remodelação, comunicação, rebranding, selecção
de vinhos diferentes. Um dia, numa dessas lojas, entrou um cliente vindo do Lichtenstein
que me convidou para trabalhar com ele na Rússia. Ele tinha lá uma empresa de
importação de vinhos e queria ter distribuição e lojas. Acabei por desenvolver
um projecto para a abertura de dez lojas
e também staff training… No fundo, faço de tudo um pouco em qualquer
parte do mundo… Obviamente contrato
pessoas para me ajudar nas diferentes áreas, mas acabo por ser eu a coordenar
tudo, para entregar projectos chave na mão.
Estando a
trabalhar sozinho, e estando metido em tanta coisa, consegues ter tempo para
todos os teus clientes?
Faço muita coisa mas
tenho um leque restrito de clientes, cerca de vinte, com quem faço algumas
acções por ano. Eles sabem que podem contar comigo, ligam-me a qualquer hora do
dia e, às vezes, com os pedidos mais loucos. Mas com organização tudo se
consegue. Tenho uma relação próxima com os meus clientes, eles gostam inclusivamente
que eu esteja presente quando se reúnem com os amigos, gostam de mostrar que
têm um wine advisor. Acabamos por ter uma relação próxima, acabam por ganhar
confiança. Eles têm dinheiro para comprar Château Lafite, mas ficam muito
surpreendidos e agradados quando lhes apresento vinhos de qualidade que podem
custar apenas vinte libras ou trinta libras, por exemplo!
Qual foi o
trabalho mais difícil que te pediram até hoje?
Quando estive em
Moscovo tive de fazer uma garrafeira para um cliente privado que me pediu
para instalar na sua garrafeira caves de
refrigeração. O espaço era imenso, parecia um campo de futebol, e eu tinha de
comprar vinhos para aquilo tudo. Deu-me imenso gozo mas foi muito difícil, o
espaço era enorme e as quantidades imensas. Só uma das salas levava dez mil
garrafas de bebidas espirituosas! Suei bastante mas lá consegui entregar a
proposta…
E o episódio mais caricato?
Estar em Londres numa sexta feira às onze da noite e receber um telefonema a pedir duas caixas (12 garrafas) de Petrus 1982. Disse que sim, que arranjaria, segunda ou terça feira, mas disseram-me que os vinhos teriam de estar num iate em Saint Tropez, antes das três da tarde do dia seguinte. Claro que passei toda a noite a fazer telefonemas e acabei por conseguir reunir as ditas garrafas e fui busca-las no dia seguinte, às nove da manhã. Às dez e meia já estava no aeroporto para apanhar o avião privado do cliente. Não só consegui lá chegar antes das três da tarde, como acabei por ficar na festa (risos).
E os clientes portugueses? Sei que tens projectos em Portugal…
A maioria dos clientes são estrangeiros, mas sim, trabalho com algumas marcas de vinhos nacionais. Trabalho ou já fiz alguma coisa com a Quinta de Santiago, Quinta de Lemos, Herdade dos Coelheiros, Quinta dos Avidagos… Tenho agora também uma parceria com o Rodrigo Martins, o enólogo que faz o vinho Espera e também está ligado a produtores como a Quinta da Silveira, Herdade do Cebolal ou a Quinta da Boa Esperança. Ele faz coisas engraçadas, temos um projecto a desenvolver futuramente e que acho que vai ser engraçado.
Sentes que os vinhos portugueses estão finalmente a ter visibilidade lá fora ou nem por isso?
Um dos graves problemas em Portugal é ser conhecido por ser ‘good value for money’ e isso tem de acabar. Digo isso há anos. Um vinho de qualidade tem necessariamente de custar mais caro, a qualidade paga-se. As pessoas habituaram-se tanto a comprar vinho português barato, que quando um vinho custa acima da média as pessoas já ficam desconfiadas. Então eram tão baratos antigamente e agora estão a este preço? Pois é, mas a qualidade tem de se pagar…. Há uma grande falta de visão em Portugal. Há que saber comunicar e acreditarmos no nosso produto.
Aproveitando que estamos a falar de preços… trabalhas a Liber Pater, que custa 30 mil euros a garrafa, é a marca mais cara de sempre. Como surgiu essa oportunidade?
Em 2018 passei muito tempo a viajar e a promover uma marca, a Angel Champagne, da qual também sou embaixador. Entretanto, no início de Setembro desse ano, uma parceira de Marketing de Barcelona com quem trabalho, a Marie, teve uma reunião com o produtor e enólogo do Liber Pater, Loïc Pasquet, não para trabalhar a parte comercial, porque os vinhos dele estão sempre vendidos, mas para encontrar uma forma mais polida de os comunicar. Foi assim que, a par da Angel Champagne, também comecei a trabalhar a Liber Pater…
Loïc Pasquet tem
sido uma personalidade muito controversa, o que acaba por ser interessante na
medida em que é completamente contra a corrente…
Ele comprou sete
hectares em Graves, a região de Bordéus menos amada, porque ele achava que aquela
zona de Bordéus, de solos muito arenosos, era a mais propícia à vitivinicultura
pré-filoxérica. Dos sete hectares da
propriedade, só dois hectares foram plantados com vinha. No máximo, são
produzidas 1500 garrafas, as quais só são lançadas para o mercado apenas 240.
As restantes ficam guardadas para mais tarde serem vendidas em leilão. Além disso, o vinho só sai em anos
excepcionais. O primeiro vintage foi lançado em 2006, depois 2007, 2009, 2010,
2011, 2015 e agora o 2018, que irá ser lançado no final do próximo ano. E já está
tudo vendido! De dois em dois dias tenho pedidos para comprar o vinho, mas já
não há!
Bem, parece que a
estratégia de marketing resultou! (risos)
Voltando um
bocadinho atrás, quando o Loïc nos procurou, ele vinha muito focado nas
revistas de vinho. Mas tive uma reunião muito séria com ele e sugeri-lhe antes
colocar informação sobre o vinho em publicações de lifestyle e de luxo, no New
York Times, USA Today, Finantial Times… E assim foi. Sabes o que aconteceu? Pouco
tempo depois tinha todas as revistas de vinho atrás de nós a querer fazer um
artigo. Foram elas que vieram atrás de nós e não o contrário, e isso foi
fantástico.
Já sabemos que o vinho é especial e que nunca irás dizer mal dele (risos). Mas tenta dizer-me o que o torna tão especial, quais as tuas sensações quando o provas?
É um vinho muito elegante, muito ao género dos vinhos da Borgonha. Sabe a fruta pura e honesta. Acho que honesta é mesmo a palavra certa… é um vinho genuíno, autêntico e elegante. Tem uma grande finesse. O Loïc está a usar cada vez menos barrica. Em 2015 já usou maioritariamente ânfora e apenas 30% barrica usada. E na colheita de 2018 que vai sair para o mercado já só usou ânfora. O vinho é completamente diferente, também porque é feito com castas antigas de Bordéus, esquecidas e raras, plantadas em pé franco. É, sem dúvida, um vinho muito especial mas não é definitivamente um vinho formatado para os críticos. É normal que tudo isto desperte muita curiosidade… Se vale os 30 mil euros? Não vou discutir isso. É um vinho que me dá um enorme prazer, que me arrepia e me surpreende por tudo o que sei dele, a história e o trabalho que estão por trás.
Quando ele comprou a propriedade já existiam aquelas vinhas?
Já existiam vinhas antigas que estavam abandonadas, ele teve de as replantar. Foi um projecto de raiz. O mais engraçado de tudo é que, depois de toda a polémica, pelo menos 10 a 15 produtores conhecidos em Bordéus estão a apostar em castas antigas.
É sempre assim,
não é?
(risos) Sim, há
sempre uns ‘loucos’ que se chegam à frente. O Loïc Pasquet é uma pessoa muito
genuína, é ele que trabalha com a mula nas vinhas, que coloca os rótulos nas
garrafas, ele faz tudo, é fantástico. Ele mora ali ao lado, a cinco minutos da
propriedade, por isso está quase sempre lá, a não ser que esteja a viajar. Quando
vamos visitar grandes Châteaux em Bordéus geralmente nunca encontras lá os
proprietários, mas ele está sempre lá e gosta de ser ele a receber as pessoas.
E se está fora do país, numa apresentação ou num jantar, às vezes vejo-o
agarrado ao telemóvel muito preocupado com a metereologia. Se vê que vai
chover, quer logo ir embora para ir cuidar da vinha. É este o Loïc, muito
controverso naquilo em que acredita, mas muito genuíno e humano.
É o teu projecto de eleição?
Este e a Angel Champagne são os projectos que me dão vontade de trabalhar cada vez mais, porque são muito desafiadores. Mas, obviamente, se aceitei os clientes que tenho é porque gosto de trabalhar com eles. Tenho também um projecto novo em Portugal para uma empresa no Mónaco que comprou diversas propriedades em Itália, na nova Zelândia e agora também quer comprar em Portugal. Mas não é fácil… em Portugal existem muitas barreiras que não permitem que o negócio se faça rapidamente, burocracia, pessoas a mais, enfim, é um pouco cansativo. Por essa razão, futuramente irei também estar envolvido numa empresa que ajude a tratar desses assuntos, facilitar aos investidores a compra de propriedades em Portugal.
E o que te fez querer regressar agora a Portugal?
Actualmente podemos trabalhar em qualquer parte do mundo. Vivi vinte anos em Londres, e já tinha falado com a minha companheira que queria sair de lá e viver noutro lugar. Pensámos em Portugal, claro, mas também no Dubai, onde ela tem família e onde eu também tinha alguns negócios. Entretanto em 2018 terminámos a relação e, obviamente, optei por vir para Portugal. Para trabalhar só preciso de um computador, de um telemóvel e de um aeroporto perto. Temos um sol maravilhoso, boa qualidade de vida, os portugueses são muito espontâneos e eu já sentia saudades disto tudo. Além disso tenho a minha filha e os meus pais, que cada vez precisam mais de mim. Gosto muito de estar em família.
CAIXA
Cláudio Martins é português, nasceu na Serra da Estrela e emigrou para Inglaterra / Londres, onde aprofundou os seus conhecimentos sobre vinho e se tornou Wine Advisor. De 2000 a 2009 foi responsável em vários espaços do grupo D&D London, como a Cantina del Ponte, Butlers Wharf Chop House ou o Coq D’Argent, um dos icónicos restaurantes de Londres onde os vinhos assumem um papel relevante. De 2012 a 2014 foi responsável pela New Street Wine shop, loja de vinhos com um conceito vencedor que continha na lista cerca de 900 vinhos de 34 países diferentes, localizado na zona financeira de Londres, a New Street Wine Shop, galardoada como a melhor loja de vinhos em Londres em 2013, a par da famosa Hedonism Wines, pela conceituada revista Decanter. Entre 2010 e 2017 foi júri do Decanter World Wine Awards. Em 2014 lança-se por conta própria e funda a Martins Wine Advisor (MWA), empresa com sede em Londres, que presta serviços de consultoria a clientes privados e marcas de vinho/bebidas. espirituosas. A partir de 2018 inicia também na área da compra de activos (vinhas e quintas). O seu portfolio engloba actualmente cerca de 20 clientes internacionais e nacionais. Um dos seus clientes mais famosos é o produtor da marca Liber Pater, o mais caro vinho do mundo.