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Deixa o Resto? Não, não deixo!

Como deixar um vinho com um nome tão engraçado, produzido com uvas brancas de uma vinha centenária, plantada em pé franco, e com uma frescura vibrante? Não há como deixar restos.  

Depois de trabalhar mais de dez anos com o enólogo Paulo Laureano, e desde 2012 com o produtor José Mota Capitão, António Rosado absorveu conhecimentos e acumulou experiência no estudo das castas portuguesas. Não é por isso de estranhar que agora se tenha lançado na aventura de fazer o seu próprio vinho, um branco especial feito a partir de vinhas velhas que encontrou junto ao mar e à aldeia de ‘Deixa o Resto’, situada entre Melides e Santo André. Esta aldeia cresceu ao longo da Estrada Nacional 261. Segundo reza a história, chama-se assim porque os homens daquela região paravam numa conhecida tasca onde hoje se situa a localidade, onde gastavam todo o seu dinheiro. Beber era o que lhes dava alento, por isso diziam no final, já resignados: ‘Deixa o Resto’. E assim ficou baptizada a aldeia, e agora o vinho de António Rosado.  

Voltemos ao vinho. Desde 2014 que António andava por aquela zona com José Mota Capitão, para explorar o potencial genético das vinhas junto à costa alentejana. Foi assim que encontrou este jardim raro, um hectare de vinha com mais de 100 anos, plantada em pé franco (sem porta enxerto, ao contrário do que é normal, após a filoxera) onde encontrou uma boa mancha da casta Boal, alguns pés de Arinto, Moscatel, entre tantas outras.



A colheita de 2019 foi a primeira a nascer e, a partir de agora, a ideia é fazer sempre o vinho a partir das uvas daquela vinha. Tem cerca de 70% de Boal, complementada com as restantes castas existentes na vinha e, apesar de não estar certificado, é produzido como se fosse um vinho biológico. «É um vinho de intervenção mínima, fermentado em balseiros de 500 litros e com 4 meses de bâttonage. Produzi pouca quantidade, 1400 garrafas de 0,75 cl e 200 magnuns», afirma o enólogo que, além de vender directamente, tem o seu vinho vendido em espaços selecionados como a Garrafeira de Cascais, o Mr. Santos da Garrafeira de Campo de Ourique ou o site tinto.pt .

Este branco que marca a sua estreia como produtor, será o início de uma aventura onde pretende crescer ao sabor do vento. «Não fui à procura deste projecto, este vinho simplesmente caiu-me no colo», afirma António Rosado. «Quero que aconteça o mesmo com outros vinhos que produza futuramente. Quero fazer vinhos diferentes, onde a qualidade e a diferença prevaleçam acima de tudo, quer seja na região da Península de Setúbal, onde fiz o Deixa o Resto, quer noutras regiões», remata.

De aroma mineral e salino, com fruta ainda contida mas ainda com muito para dar, é um vinho de excelente estrutura, com boa untuosidade, elegante, de acidez vibrante e longo final de boca. Um branco que já está a fazer história.