Enoturismo, uma área em desenvolvimento
Falar de Enoturismo em Portugal já foi tarefa ingrata, mas actualmente já temos exemplos a funcionar bem. As melhorias dos últimos anos são evidentes, mesmo assim, ainda há muito trabalho por fazer.
O enoturismo é um fenómeno relativamente recente. A nível mundial, a Europa despertou mais cedo para esta realidade, seguida pelo Novo Mundo, que investiu em grande força nesta área e hoje também oferece inúmeras possibilidades em unidades de enoturismo de referência. No entanto, não existe qualquer legislação que regulamente a actividade, à excepção de Itália, que foi a pioneira no lançamento do conceito do enoturismo, possui um quadro legal nesta área bem mais evoluído, e por isso se encontra mais organizada.
A Carta Europeia de Enoturismo, surgida em 2006 no âmbito do projecto Vintur, inserido na Rede Europeia das Cidades do Vinho, veio de certa forma ajudar o produtor a definir regras e parâmetros de qualidade. É apenas uma carta de «boa vontade», que guia os produtores mas que, embora incompleta, contribuiu para uma melhoria dos serviços de enoturismo em Portugal.
A carta está muito ligada ao ambiente, à região e às populações locais, demonstra o respeito pela cultura e economia regionais, e aponta para um caminho de sustentabilidade. Este documento inclui na definição do termo enoturismo todas as actividades e recursos turísticos, de lazer e de tempos livres relacionados com as culturas, materiais e imateriais do vinho e da gastronomia autóctone dos seus territórios. Nesta definição procurou-se um consenso europeu, estabelecendo-se uma linha de participação e cooperação dos vários agentes para o desenvolvimento e auto-regulação da actividade. A adesão à mesma implica que seja desenvolvida uma estratégia comum de longo prazo para com o desenvolvimento turístico, por meio de um programa de actividades, partilha de informações, modelos de gestão, tecnologia e análise de dados, adaptação da oferta de serviços às expectativas dos clientes e ainda a contribuição para a valorização do património local.
No entanto, a Carta tem falhas identificadas. Apesar de procurar colmatar a legislação inexistente no que toca à actividade de Enoturismo, não tem um carácter de obrigatoriedade. Assume-se como um documento com linhas guia de referência e organização, formalizando boas práticas para a actividade enoturística. Entre as falhas pode-se apontar a falta de regulamentação concreta ou orientações no que toca às normas de segurança, como é o caso das actividades possíveis de realizar em época de vindimas. Em relação aos critérios de qualidade, estes também têm uma grande carga de subjectividade, uma vez que não estão claramente definidos, deixando em aberta a interpretação de cada um.
Evolução do vinho em Portugal versus Enoturismo
O vinho tem vindo evoluir qualitativamente ao longo do tempo, graças ao progresso e desenvolvimento de conhecimentos e das técnicas na produção do vinho. O próprio consumidor reagiu a esta melhoria, procurando novos saberes e vontade de realizar actividades relacionadas com o vinho.
Mas vamos por partes. Depois de anos ‘afundado’ na produção de vinhos de má qualidade, vendidos a granel nas tascas e tabernas que lhe davam ainda pior reputação, Portugal começou a acordar para uma nova realidade. Fora o vinho do Porto - com fama que já vinha de longe - ou os poucos e bons vinhos do Dão e da Bairrada que eram vendidos engarrafados, o que então se produzia só nos envergonhava. O que realmente interessava era a quantidade e não a qualidade. Mas a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia, em 1986, e a existência de novas regras, veio alterar por completo o panorama vitivinícola português. A década de 90 virá tornar mais visível o resultado dessas alterações e, a pouco e pouco, o enoturismo começa também a ganhar mais força.
O mundo do vinho deu uma verdadeira reviravolta. A produção de vinho passou a apostar na qualidade. Passou a ser engarrafado e a vender-se em todo o lado: nas garrafeiras, super e hiper-mercados, e no canal Horeca (restauração). Falar e saber de vinho passou a dar status e a fazer parte do lifestyle. Começaram a surgir novos produtores e novas marcas de vinho. As técnicas de viticultura evoluíram e as adegas modernizaram-se trazendo outra qualidade ao vinho. Os enólogos que se formaram em engenharia agrícola buscam especializações em enologia e estágios em outros países, regressando a Portugal com novos e aprofundados conhecimentos. Tal como acontece na área da gastronomia com os chefes de cozinha, os enólogos viram ‘estrelas’. Em importantes feiras nacionais e internacionais é exigida a sua presença, assim como os produtores, de forma a terem um contacto mais directo com o consumidor. A ligação vinho / comida começa a ganhar cada vez maior importância, especialmente através dos menus de degustação com vários pratos para harmonizar com os vinhos, elaborados por conhecidos chefes de cozinha. O vinho começa a surgir cada vez com mais força nos meios de comunicação social, a nível nacional e internacional. Surgem também programas de televisão, filmes e documentários relacionados com o tema. São realizados vários concursos de vinhos cá e lá fora. Produtores portugueses ganham muitas medalhas e prémios. Os cursos de vinho são cada vez mais procurados e os consumidores tornam-se mais atentos ao tema do vinho e são mais exigentes. Começam então a existir boas razões que fazem com que o produtor comece a investir na vertente do enoturismo.
Enoturismo das diversas regiões nacionais
Portugal tem uma grande abundância e variedade de vinhos e regiões produtoras. À conta do desenvolvimento do enoturismo no mundo e no potencial do vinho português, as regiões nacionais e os seus produtores investiram em novas infra-estruturas: unidades hoteleiras, restaurantes, eventos, serviços de animação, entre outros, que servem um conjunto de pessoas de várias idades (a maioria entre os 30 e os 60 anos), de diferentes nacionalidades (portugueses que se interessam por vinho mas também turistas que procuram conhecer as nossas rotas do vinho), e diferentes objectivos (uns mais conhecedores que outros sobre o tema vinho). É este o perfil do enoturista.
Estas pessoas têm como motivações gerais conhecer o vinho in loco (A história da propriedade, o produtor, as vinhas, a adega, as pessoas que lá trabalham); conhecer aspectos ambientais e ecológicos da produção de vinho agora muito em voga; aprender sobre o vinho e sua ligação à comida; conhecer o espaço rural (a paisagem, os habitantes, as práticas agrícolas, a região); praticar actividades lúdicas (vindimar, visitar a adega, provar vinhos); apreciar o património, a cultura, a arquitectura e a arte; e desfrutar de lifestyle, da elegância e do bem-estar. Este tipo de visitantes são geralmente consumidores de vinho que, aproveitando a sua viagem a um determinado país, aproveitam a oportunidade para conhecer melhor os vinhos, as castas, as adegas.
Por outro lado, há também um tipo de enoturista mais dedicado. Ou seja, a sua motivação nada tem de geral. O enoturismo é a razão de ser da sua viagem, cuidadosamente planeada, existindo uma grande expectativa sobre os vinhos. Ele estuda e tem informação prévia sobre os vinhos, os produtores e os enólogos. São importantes consumidores pois procuram conhecer aspectos particulares e técnicos dos vinhos. Assim, para comunicar eficazmente para estes dois públicos, a linguagem não pode ser igual. Enquanto o visitante com motivações gerais pretende conhecer de raiz a adega, o produtor, as castas, o enólogo e os vinhos, o visitante dedicado já sabe o que vai encontrar porque planeou ao pormenor a sua viagem. A sua expectativa vai ser maior e a linguagem que tenciona encontrar deverá ser muito mais aprofundada, inclusivamente aspectos técnicos que lhe possam interessar. Se para o primeiro dizer que determinado vinho estagiou em pipas de madeira, para o segundo terá de se dizer em pormenor durante quanto tempo o vinho estagiou (6, 12, 18 meses, outro) e em que tipo de carvalho (francês, americano, outro), quando foi ou será engarrafado e será lançado para o mercado.
Ter informação disponível para ambos os casos é muito importante, na medida em que têm graus de exigência diferentes, e as adegas têm de estar preparadas para isso. Para grupos de visitantes mais exigentes, os recursos humanos do produtor têm de estar bem preparados, serem conhecedores da matéria, visto que podem surgir perguntas mais técnicas. Para a visita, deverá existir material informativo e alguém que saiba falar inglês. É a língua universal e quase todos a falam e entendem. Ouro sobre azul será o produtor investir em equipamento multimédia com Informação completa, onde a história do produtor, da adega e dos seus vinhos se pode contar em diversas línguas. No caso de ser um investimento muito caro, pelo menos investir em folhetos e brochuras multilingues, e em alguma informação adicional mais técnica, para distribuir a quem a pede (mesmo que sejam apenas textos impresso em folhas A4).
Condições ideais para o Enoturismo
Portugal já tem enoturismos que nos enchem de orgulho e que não ficam atrás de nenhum outro ao redor do mundo mas, logicamente, há regiões mais fortes que outras. A maior oferta de enoturismo centra-se no Alentejo, onde temos exemplos muito completos como a Herdade da Malhadinha, Herdade dos Grous, Torre de Palma ou Adega Santa Vitória, que além da possibilidade de pernoitar, têm restaurantes, lojas de vinho, actividades vínicas e de desporto aventura, entre muitas outras possibilidades. O Douro, classificado de Património da Humanidade pela UNESCO, também assume uma posição de destaque com enoturismos de excelente qualidade como, por exemplo, a Quinta do Vallado, Quinta de Nossa Senhora do Carmo, Quinta da Pacheca ou Quinta do Crasto.
No entanto, há ainda outras regiões como a do Dão, que foi provavelmente a que nos últimos anos mais se destacou a surgir com novidades ao nível do enoturismo (Quinta de Lemos, Caminhos Cruzados, Madre d’Agua, entre outras). Todas as outras regiões têm vindo igualmente a crescer, mas mais devagar. Depois, há também os enoturismos mais simples, sem estadia, mas com serviço impecável, e que sabem receber bem, como por exemplo a Quinta do Ameal (Vinho Verde), Quinta do Encontro (na Bairrada), Adega Mãe (em Lisboa), Herdade do Rocim (Alentejo), Quinta dos Vales (Algarve), entre tantos outros exemplos pelo país fora.
E afinal, o que faz um enoturismo ser bom? Basicamente, receber bem. Saber contar a história da propriedade, dos vinhos, das pessoas que se dedicaram à vinha e nela investiram. Depois, tudo o que estiver a mais é vantagem. Como, por exemplo, ter uma gama variada de vinhos, que permita ao visitante conhecer várias realidades (vinhos monocasta, de duas ou mais castas, de diferentes estilos entre os quais brancos, rosés, tintos, espumantes, fortificados, entre outros) abrangendo assim um leque maior de consumidores / visitantes.
A associação de vinhos a outros produtos regionais (pão, azeite, queijos, enchidos, compotas, mel, entre outros) é outra mais-valia. As combinações gastronómicas são sempre do agrado de todos. Por outro lado, se aliada à qualidade dos vinhos o produtor for dotado de instalações modernas e organizadas, com uma boa envolvente paisagística, os visitantes só ficarão bem impressionados. Em Portugal já existem muitas adegas deste estilo, incluindo as denominadas «adegas design», idealizadas por conhecidos arquitectos como, por exemplo a Adega Mayor (Siza Vieira) ou Herdade do Freixo (Frederico Valsassina), ambas no Alentejo.
Estar inserido nas rotas do vinho da respectiva região também ajuda, assim como ter sinalização adequada nas estradas de forma a guiar o enoturista até à adega sem problemas. As Rotas do Vinho assumem-se como um produto turístico composto por percursos sinalizados e publicitados, organizados em rede, envolvendo em si explorações agrícolas e outros estabelecimentos abertos ao público, desenvolvendo-se como veículo de divulgação e comercialização. No caso de Portugal, as rotas são a imagem do enoturismo, sendo que convém fazer parte delas para ter maior visibilidade e, consequentemente, maior número de visitantes (a maioria dos postos de turismo de várias cidades / regiões apoia e fornece informação sobre as suas rotas de vinho).
Investir na imagem dos produtos e na sua comunicação, ter flexibilidade de horários, apostar numa loja de vinhos e merchandising, preparar pessoal especializado para receber os diferentes públicos e diversificar a oferta de actividades relacionadas com vinho (e não só) para poder captar maior número de visitantes, são outras acções que complementam os enoturismos e contribuem para que os mesmos sejam um sucesso.