Experimentar o Douro
Um projeto de vinhos na região do Douro foi criado em 2011 pelos irmãos Joana e António Maçanita. Um trabalho que os levou a investigar, experimentar e inovar, como já estão habituados a fazer nas mais de catorze adegas espalhadas pelas regiões nacionais onde prestam consultoria.
Há muitos anos, quando teve pela primeira vez de ir ao Douro prestar o seu primeiro trabalho de consultoria, Joana Maçanita ficou apaixonada pela região. «Há coisas que não se conseguem explicar… quando vim ao Douro, senti-me em casa. Actualmente, apesar de prestar consultorias de norte a sul do país, principalmente entre o Douro e o Algarve, é aqui que passo mais o meu tempo», afirma. Nessa altura, já a trabalhar com o irmão, convenceu-o a vir ao Douro para lhe mostrar umas vinhas que tinha encontrado. António concordou com a irmã que ali havia potencial e assim lançaram o projecto em 2011.
Joana foi, assim, a responsável por esta aventura que agora começa a mostrar o seu amadurecimento e a quem devemos apontar o foco, pois apesar de contar com o apoio do irmão, é ela quem está mais presente na região e toma a maioria das decisões finais. Uma mulher de garra que não tem por atitude vangloriar-se das suas conquistas mas que se destaca pelo muito que tem feito na vida.
Joana entrou no Instituto Superior de Agronomia e começou no curso de Produção Animal. No final do primeiro ano percebeu que não era bem aquilo que queria e transitou para Engenharia Agronómica onde, incentivada pelo irmão, acabou por seguir enologia. Com 21 anos, enquanto frequentava a faculdade, fez os seus primeiros estágios de vindima no Alentejo, no projeto Fita Preta Vinhos, com o irmão. Entretanto, durante os anos de estudo, ganhou ainda quatro títulos de campeã nacional em ginástica aeróbica e foi mãe do primeiro dos seus três filhos.
As responsabilidades eram já muitas mas Joana conseguiu conciliar tudo. Em 2006, viajou para a Austrália, onde trabalhou numa das mais prestigiadas adegas de McLaren Vale, região a sul do país, uma experiência enriquecedora onde teve contacto com diferentes enólogos e metodologias diversas. No ano seguinte, de regresso a Portugal, criou finalmente uma empresa de consultoria enológica com o irmão e Cláudia Favinha, outra enóloga amiga de ambos, apoiando produtores nas regiões do Douro, Alentejo, Lisboa e Algarve. Ao longo dos anos, a empresa foi ganhando prémios em concursos e tornando-se visível junto da crítica nacional e internacional. Por último, participou ainda em projectos de formação e escreveu um livro. É obra!
Compreender o Douro
Habituados a outras regiões do país onde se foram destacando, os irmãos Maçanita sabiam que no Douro o caminho tinha alguns pontos de interrogação e ia ser desafiante.
A região tem um relevo montanhoso com variadas altitudes e temperaturas ao longo do seu território. É formado maioritariamente por solos xistosos azuis, mas também, nas zonas mais altas, por afloramentos graníticos. «Este conjunto de factores proporcionam-nos uma grande diversidade de terroirs que podem ser interpretados de muitas formas», explica Joana.
Sendo o Douro também rico em vinhas velhas, Joana e António sabiam que o caminho passaria por ali. Assim, em 2019, encontraram e adquiriram vinhas com cerca de 150 anos na zona de Carlão, em Alijó, uma zona catalogada como vinhas Letra F, que aparentemente são as vinhas menos procuradas da região. Mas estas vinhas, dotadas de onze micro-parcelas e mais de 17 castas misturadas, «falam sobre o Douro do antigamente, o Douro do agricultor que fazia os seus vinhos de consumo, os ditos vinhos de mesa feitos com uvas que não tinham qualidade para vinho do Porto».
Continuando a explorar o Douro, encontraram ainda vinhas de Letra A, junto ao rio Douro, implantadas em solos de xisto, da casta Touriga Nacional. Uvas de grande concentração e potência, existentes no terroir supostamente mais indicado para a produção de vinho do Porto. No entanto, Joana e António avançaram para a produção de vinho de mesa.
Poro outro lado, os brancos também foram e continuam a ser um bom desafio numa região quente como o Douro. Sendo grandes amantes dos vinhos com frescura, foi nas vinhas de altitude, a 700 metros, que encontraram mais um terroir do Douro com uma expressão muito própria de salinidade e mineralidade que não podiam descurar. A Malvasia Fina oxidativa do António ou o Gouveio de frescura e altitude da Joana são um bom exemplo das diferentes visões encontradas pelos irmãos neste território.
Como já foi dito, o projecto tem apenas uma vinha própria em Carlão, perto de Alijó, e as restantes vinhas estendem-se pelas regiões do Baixo e Cima Corgo, fruto de parcerias com os produtores onde vigiam e compram as uvas. Junto a uma dessas vinhas, em Ferrão, entre o Pinhão e a Régua, é onde se encontra a adega e o armazém que, segundo Joana e António, «já está a ficar pequeno para tanta vinificação», explicam em tom de brincadeira.
Visões partilhadas
Irrequietos por natureza, Joana e António investigam, estudam, trocam ideias e fazem nascer novos vinhos. Ideias muitas vezes diferentes, mas partilhadas na ideia de contribuir para a evolução do projecto global. Numa prova dividida por dois momentos, que revelou o caminho trilhado nesta última década, os irmãos deram a provar treze brancos e dez tintos. Como sempre acontece, uns destacaram-se mais do que outros, por razões diversas, mas revelam um trabalho já amadurecido e consistente.
No primeiro momento, um dos vinhos mais originais da prova foi o Maçanita branco da casta Folgasão, elaborado com uvas oriundas de Poiares (Baixo Corgo), a 560 metros de altitude em solos de xisto. Que se saiba, é o único varietal desta casta no Douro (na Madeira é o Terrantez). As uvas foram colhidas à mão e na adega foram à prensa com o cacho inteiro. Fermentadas a catorze graus em cuba de inox, seguiu-se o estágio de seis meses em inox. No Douro a casta mostra um perfil diferente, um lado mais puro, mineral e fresco. No aroma é citrino e intenso, com notas minerais. Na boca revela uma excelente acidez e profundidade. Um branco diferente que dá gozo provar. A originalidade continuou ainda com outro vinho, o Maçanita Quanto + Arinto Mais Gosto de Ti, fermentado 70% em barrica e 30% em inox, o que lhe conferiu um perfil mais estruturado e robusto do que é habitual encontrar em vinhos da casta Arinto.
Mas nesta prova as castas típicas do Douro não foram esquecidas, tendo sido ainda provados o Gouveio da Joaninha 2022, o Viosinho da Joaninha 2022, O Rabigato 2022 e o Malvasia Fina do António 2021, todos eles elegantes e frescos, mas cada um a revelar um perfil específico da casta, consoante o seu terroir e vinificação. Mas a primeira prova de brancos terminou com o Maçanita Reserva 2020, elaborado com Arinto e vinhas velhas, conferindo-lhe também um perfil mais sério e complexo. O seu aroma é citrino e mineral e na boca muito firme, terminando longo.
Já nos tintos, a casta dominante foi a Touriga Nacional, com três vinhos de vinhas distintas: Touriga Nacional Letra A 2020; Touriga Nacional Cima Corgo 2020 e Touriga Nacional Douro Superior 2015. Ao contrário do que se poderia esperar, o terceiro acabou por se destacar dos anteriores, mais pela sua elegância e afinação do que pela sua força e poder, algo muito comum nos vinhos do Douro Superior. A Touriga esteve ainda presente nos vinhos Maçanita Tinto 2021 e no Maçanita Reserva tinto 2020, ambos a combinar a casta rainha do Douro com a casta Sousão e vinhas velhas. O primeiro com um perfil mais genuíno e mineral, e o segundo, mais intenso e complexo. A originalidade ficou a cargo do Maçanita Sousão 2021, dos poucos vinhos desta casta existentes no Douro, mas com um perfil que define bem as suas características. Um vinho mais duro, mas aqui com a casta já mais ‘domada’ pela mão dos enólogos e pelo terroir onde nasceu, em Ferrão, no Cima Corgo.
As provas foram longas mas não pararam por aqui. Por mostrar, estavam ainda os brancos e tintos provenientes de vinhas da Letra F. Estas vinhas deram origem a cinco vinhos Maçanita brancos interessantes: o Canivéis, o Olgas 2021, o Pala Pinta, o Vale da Barca e o Fontainhas, todos eles da colheita de 2021. Todos eles de vinhas velhas, vindima manual, prensa directa, fermentação espontânea, estágio em barrica e edição limitada. Mais uma vez, foram as castas e os terroirs que os distinguiram, destacando-se o Vale da Barca 2021, proveniente de uma vinha velha com 140 anos, sete castas (Códega, Malvasia fina, Bilhar, Trincadeira Branca, Códega do Larinho, Gouveio Corado e Donzelinho Branco), e implantação em solos de granito a 530 metros de altitude. O estágio de 12 meses em barrica neutra deu-lhe ainda mais nervo e finesse. Um vinho que será lançado ainda este mês de Maio.
Por último, nos tintos Maçanita de Letra F (Letra F 2021, Os Canivéis 2020, Olgas 2018 e Pala Pinta 2020) provenientes das mesmas vinhas velhas e igualmente de edição limitada, destacaram-se dois pela personalidade marcante. O Canivéis foi o primeiro, elaborado com uvas de idades compreendidas entre os 70 e os 92 anos e provenientes de solos de transição de xisto e granito, a 520 metros de altitude. Fez pré-maceração a frio, fermentação espontânea em lagarete, cuvaison de 28 dias e estágio de 12 meses em barrica neutra. Resultou num tinto de aroma intenso mas fino, fruta genuína e mineralidade. Na boca, é envolvente e termina longo. Já o segundo, o Pala Pinta, foi elaborado com uvas de uma vinha com idades entre os 120 e os 140 anos e vinificado da mesma forma, com a diferença de ser oriundo de solos graníticos e de ter um pouco mais de altitude (535 metros). É um vinho que transcende, um topo de gama que marca com complexidade mas uma grande elegância.