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Felizes Incertezas

Incertos são sempre os desafios, mesmo quando confiamos que vai correr bem. Mais ainda quando se trata de fazer vinhos diferenciadores numa região que não é facilmente vendável, pelo menos quando falamos do consumidor comum. Mas, sem olhar a medos, Mónica e Sandro Mendonça decidiram saltar de paraquedas nesta aventura, amparados por uma experiente equipa técnica. O resultado foi um sucesso.  

Numa região onde reina a casta Verdelho, rainha nos vinhos de mesa e nos licorosos dos Açores, e fazer um vinho com uma casta diferente, tinta, e ainda por cima estrangeira, é quase uma provocação… Mas como se costuma dizer, para tudo há uma razão!  

A Adega dos Sentidos – anteriormente denominada Adega Simas – era o local onde o pai de Mónica produzia o seu vinho, desde sempre, na freguesia dos Biscoitos, na ilha Terceira. Não era por isso um mundo desconhecido para Mónica que, juntamente com o marido Sandro Mendonça, decidiram em 2021 continuar as tradições familiares mas com alguma inovação pelo meio. Assim, se na viticultura já tinham Rufino Simas (que supervisiona os 14 alqueires de vinha nas tradicionais curraletas de pedra negra que protege as plantas dos ventos agrestes) precisavam de confiar a parte da produção a alguém que fizesse vinhos com o perfil desejado. Assim é chamado para esta aventura Jorge Alves, enólogo responsável por reconhecidos projectos vitivinícolas em várias regiões nacionais como a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo e a Adega Quanta Terra (Douro), a Quinta da Taboadella (Dão) ou a Herdade da Aldeia de Cima (Alentejo). Com ele, trouxe Pedro Alves, o seu filho recém-licenciado em Enologia pela Universidade de Alto Douro e Trás-os-Montes (UTAD), que acabou por se entregar de corpo e alma ao projecto.  «Abraçar este projeto foi uma decisão única. As oportunidades são para agarrar, e há momentos decisivos que temos de encarar sem medos! Em Novembro de 2021 recebi uma mensagem e toda a aventura começou. Ao fim de quase um ano, muitas decisões foram tomadas, pessoas que me eram desconhecidas passaram a fazer parte do meu dia a dia, um mundo de emoções…. Emoções essas que culminaram num orgulho inexplicável de ter o meu nome num contra-rótulo, de um projeto que vi nascer, abracei, cuidei e continuarei a cuidar, bebendo sempre do mesmo copo do meu pai!», Afirmou Pedro Alves com o entusiasmo próprio da sua idade e da paixão que tem pelo vinho.

 

Pedro Alves


Assim, o primeiro vinho a ser lançado para o mercado foi o Incerteza rosé 2021, elaborado com uvas Grenache vindimadas manualmente, desengaçadas e fermentadas com controle de temperatura. O vinho estagiou depois durante 9 meses em cubas de inox. Contextualizando, a Grenache é uma das uvas tintas mais cultivadas no mundo e adapta-se bem a climas mais quentes, sendo utilizada na produção de vinhos na França, Espanha, Estados Unidos, Austrália e Itália. Na França, é a mais plantada no sul do Vale do Rhône, especialmente em Châteauneuf-du-pape, (cerca de 80%) e muito utilizada em vinhos de blend e rosés.  Os seus aromas costumam ser frutados e apimentados, com acidez equilibrada, taninos elegantes e pouca cor. Nos Açores teve de se adaptar ao terroir e deu origem a um vinho pouco intenso no aroma, levemente frutado e floral. No paladar continua com o mesmo perfil frutado, mas complementado com o perfil vulcânico e a salinidade tão característica destas paragens.  A sua estrutura é mediana mas já marca o paladar, terminando longo. A produção é de apenas 940 garrafas.

Logo a seguir ao rosé, veio o branco, de Verdelho. Sendo esta a casta de eleição dos Açores, o caminho escolhido não foi tanto a inovação, mas a elegância a homenagear a tradição.  Na vindima e vinificação, seguiu os mesmos passos que o rosé. Resultou num vinho de aroma a flores, fruta branca de caroço e brisa de mar. No paladar, é muito citrino, salino e mineral, muito envolvente, fresco e crocante. Tal como o seu ‘irmão’ rosado, é de edição limitada e tem uma estrutura já com alguma complexidade e um longo final de boca. Não tendo inovado na casta do vinho, os produtores conseguiram inovar no formato da garrafa, fora do comum. Afinal, os olhos também ‘bebem’!