Herdade de Coelheiros: o respeito pela terra
Portugal tem vindo a dar passos significativos no sentido de promover práticas agrícolas mais sustentáveis, visando a preservação dos recursos naturais e a qualidade dos produtos que a terra nos oferece. Neste contexto, a Herdade de Coelheiros, junto à Igrejinha, em Arraiolos, já se destaca como um exemplo a seguir, já que as práticas sustentáveis implementadas na vinha não só garantem a produção de vinhos de qualidade mas também preservam o solo, a biodiversidade e a saúde das futuras gerações.
Filho de pai suíço e mãe alemã, ninguém diria que Alberto Weisser nasceu, cresceu e estudou no Brasil, em São Paulo, já que é alto, loiro e espadaúdo. Além disso, também é simpático e comunicador, nada a ver com o temperamento estereotipado, frio e distante que temos dos povos do norte da Europa. Não é por isso de estranhar que, quando no início da década de 80 veio pela primeira vez a Portugal, em trabalho, se tenha apaixonado pelo nosso país, por um povo que o recebeu de braços abertos, e pela saborosa dupla vinhos e gastronomia. Nessa altura, estava longe de imaginar que um dia viria a investir na compra de uma propriedade no Alentejo, facto que veio a acontecer anos depois, após regressar a Portugal em nova missão profissional.
A compra deu-se em 2015, e a ideia era a propriedade ser o seu refúgio familiar mas também um lugar onde pudesse meter as mãos na terra e dedicar-se à produção de vinho. Na verdade, Alberto tinha ido ver uma propriedade vizinha, mas foi Coelheiros que lhe chamou à atenção. A herdade não estava à venda mas, após algum tempo e conversações, os herdeiros do antigo proprietário – Joaquim Silveira – acabaram por aceder na venda.
A primeira referência histórica à Herdade de Coelheiros remonta a 1467, tendo sido oferecida como dote de casamento a Dom Ruy de Sousa e D. Branca de Vilhena. Dom Ruy de Souza foi uma figura de relevo na História de Portugal, tendo exercido vários cargos e tarefas importantes para o reino, entre as quais ter assinado o Tratado de Tordesilhas como procurador de D. João II. O célebre acordo firmado entre Portugal e Espanha, em 1494, teve o intuito de demarcar os limites de exploração dos dois reinos no Atlântico Sul. Nos séculos seguintes a propriedade foi passando de mão em mão, adquirida por diferentes famílias, entre elas a família Silveira, que entretanto investiu na vinha e criou em 1991 uma das marcas que viria a ser uma referência do Alentejo, a ‘Tapada de Coelheiros’.
Após ser vendida a Alberto Weisser, o empresário teve como objectivo relançar a marca, manter algumas vinhas, arrancar e plantar outras, e continuar a fazer vinhos de qualidade. Para tal, contratou o enólogo Luís Patrão, que veio dar um novo fôlego aos vinhos ali produzidos, sempre respeitando as tradições e o terroir do lugar. Como responsável agrícola, nomeadamente na parte da viticultura, entrou João Raposeira, que trata dos mais de 800 hectares ali existentes, onde se inclui montado, pinhal manso, vinha biológica, nogueiras, olival e floresta. «A nossa filosofia assenta no respeito pela natureza, na terra e na forma como as vinhas são trabalhadas. Procuramos a harmonia entre as vinhas, o pomar, o montado e a riqueza da fauna e flora autóctones, num equilíbrio que torna único o terroir de Coelheiros», explica João Raposeira. A ideia, segundo diz ainda, «é assumir a responsabilidade de preservar o património natural da herdade garantindo a sua sustentabilidade».
Em Coelheiros, o compromisso com a sustentabilidade ultrapassa a simples adopção de práticas agrícolas responsáveis; é uma filosofia que envolve todos os aspectos da produção de vinho. Este compromisso também se reflete na escolha de barricas e rolhas produzidas com materiais provenientes de Florestas com Gestão Sustentável (FSC), garantindo assim que até os elementos secundários do processo de produção sejam ecologicamente responsáveis.
A adega também implementou o uso de grampos de vinha biodegradáveis, o que minimiza o impacto ambiental e contribui para a manutenção de um ecossistema equilibrado. Painéis fotovoltaicos foram instalados na adega, uma medida que não só reduz o consumo de energia convencional, mas também diminui a pegada de carbono da operação. «Para promover a biodiversidade local, instalámos caixas para morcegos e ninhos em várias partes das vinhas de Coelheiros. Estes esforços ajudam a controlar as populações de insectos de forma natural, reduzindo assim a necessidade de pesticidas químicos», continua João Raposeira, ao mesmo tempo que aponta para as ovelhas que por ali passeiam e explica ainda que a sua presença «promove a oxigenação dos solos, o controle de ervas daninhas e a adubação natural», entre outras vantagens. De destacar que, em 2022, a Herdade de Coelheiros recebeu, finalmente, a certificação biológica da vinha.
Vinhos autênticos
Quando Luís Patrão entrou para a equipe de Coelheiros em 2016, trouxe consigo uma nova energia que catalisou mudanças significativas no ritmo da adega. O foco no biológico, na sustentabilidade e na qualidade tem sido fundamental na implementação deste ritmo que contribuiu para o renascer da marca. Para tal, passaram somente a utilizar uvas da propriedade e diminuíram consideravelmente a quantidade produzida (das 400 mil garrafas/ano, passaram para as 40 mil).
Hoje, a adega continua a produzir os clássicos vinhos que já faziam parte da gama, mas acrescentou outros que vieram complementar a oferta. Vinhos que refletem o terroir do Alentejo e que também vão ao encontro de novos consumidores. Como os Coelheiros branco, tinto e rosé que, não sendo vinhos de entrada, são bem mais consistentes, iniciam a gama de vinhos da herdade. «São vinhos menos concentrados que os Tapada, mas com um equilíbrio muito interessante entre fruta e acidez, e com alguma estrutura», afirma Luís Patrão.
O Coelheiros branco foi o primeiro a ser provado. Elaborado maioritariamente de Arinto (80%) e o restante de Antão Vaz, e estagiado durante 8 meses em depósito de inox e barricas usadas, é um vinho descomplicado, com alguma estrutura e untuosidade, que já puxa à comida, mas também se pode apreciar sozinho. No seu aroma cítrico predomina a casca de tangerina e o paladar é elegante.
Tal como os ‘irmãos’ Coelheiros, o rosé destaca-se por ser um vinho muito afinado. Elaborado a partir de Syrah, estagia em barricas de carvalho francês e em inox por 6 meses, resultando num vinho elegante, fresco com notas de morango e menta. Já o tinto vem revelar o carácter vigoroso da Touriga Franca e a textura sedosa e densa da Touriga Nacional. Fermentou com leveduras indígenas, o que permite uma melhor expressão das vinhas e solos, e estagiou durante um ano em barricas usadas. No aroma tem frutos vermelhos com ligeiros apontamentos de fumo e especiarias, e no paladar evidencia densidade e riqueza.
Se nos vinhos mais jovens de Coelheiros já se sente alguma garra, a gama acima – Tapada de Coelheiros – surpreende pela sua estrutura e intensidade. Robustos e cheios de caráter, são vinhos com complexidade aromática e profundidade de boca, com notas de fruta e mineralidade mais evidentes e sedutoras.
O Tapada Tinto é um vinho histórico e foi produzido pela primeira vez em 1991. Desde o início, é composto maioritariamente de Cabernet Sauvignon (muito em voga na época) e assim se mantém até aos dias de hoje, tornando-se num dos ícones da casta em Portugal. Tem origem na Vinha Leonilde plantada em 1982, em homenagem a D. Leonilde Silveira, mulher do ex-proprietário Joaquim Silveira, pela sua dedicação à terra, herdade e região. A experiência de várias vindimas e uma melhor compreensão dos solos permitiram a introdução de Alicante Bouschet, conduzindo-o ao lote atual. Cada parcela é fermentada em separado de forma a evidenciar a sua singularidade, seguindo-se o estágio de 18 meses em barrica de carvalho francês e 18 meses em garrafa. No nariz revela notas de fruta preta, pimentos e algumas especiaria. Na boca é intenso, estruturado e cremoso, com final elegante e persistente.
O branco, também muito interessante, feito a partir das castas Arinto e Roupeiro, começou a ser produzido mais tarde, em 1995, sendo reconhecido pela sua elegância, untuosidade e capacidade de envelhecimento. A fermentação fez-se em depósito de inox seguindo-se o estágio durante oito meses em barricas de 500 Litros com recurso a bâtonnage. No nariz evidenciam-se os frutos tropicais e notas citrinas, e no paladar revela boa untuosidade complementada com acidez. O final é longo e persistente.
Apesar destes vinhos surpreenderem sempre pela qualidade, injustiça seria feita se não dessemos o destaque da prova ao Tapada de Coelheiros Garrafeira, o ícone da gama, que desde os anos 90 representa um símbolo da capacidade do Alentejo e de Coelheiros em produzir vinhos com grande longevidade. Cada parcela é fermentada em separado de forma a evidenciar a sua singularidade, seguindo-se o estágio de 18 meses em barrica de carvalho francês e 5 anos e meio em garrafa. Elaborado com Cabernet Sauvignon e Aragonez, tem cor retinta e um aroma profundo e complexo a fruta preta madura, especiaria e madeira bem integrada, complementado ainda com notas vegetais. Na boca sobressaem taninos vigorosos, mas domados pelo tempo e pela sólida estrutura. Rico e requintado, com muita frescura e um longo final de boca.