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Homens que marcam

Rui Nabeiro é daqueles empresários raros que marcou muita gente. Não foi só no sector do café, onde mais se destacou, mas também no vinho, onde investiu largamente a partir do virar do século. Mas, mais do que tudo, marcou pela pessoa que era. Um homem sério, corajoso, humano, generoso. Portugal ficou mais pobre, mas Rui Nabeiro deixa um legado que jamais será esquecido.     

Há muitos anos, quando trabalhava no Expresso e escrevia para a rubrica ‘Grandes Investidores’, do caderno de Economia, fui ao Alentejo entrevistar Rui Nabeiro. Tal como deixou marca a muitos dos que o conheceram, para mim, jovem jornalista ainda a aprofundar-me no mundo do vinho, foi de um profissionalismo e de enorme simpatia. Achou interessante ser uma mulher a escrever sobre o vinho, questionou, olhou-me nos olhos, foi simpático e humano. Nem sempre é assim com homens que chegam a determinado patamar. E o patamar de Rui Nabeiro era bem alto, pelo empresário que foi, mas também pela pessoa que sempre demonstrou ser a todos que consigo se cruzaram.     

A Adega Mayor - hoje gerida pela sua neta Rita Nabeiro, que lhe segue os passos na garra profissional e no factor humano - foi um dos seus grandes investimentos. Inaugurada em 2007, é um projecto que une a arte ao mundo do vinho. Além de ter sido a primeira adega de autor a ser construída em Portugal, tornou-se numa referência ao nível da produção de vinhos e também do enoturismo.

Em Campo Maior, existem duas zonas bem distintas. Na primeira, cultivam-se tradicionalmente os cereais, e na noutra, o olival e a vinha. Foi na segunda zona que Rui Nabeiro decidiu investir num projecto relacionado com o vinho, um investimento em nada comparado aos que fez durante toda a sua vida área do café, mas que ascendeu na época, só em equipamento e adega, aos 5,5 milhões de euros. Para lançar este projecto, contratou o reconhecido arquitecto Siza Vieira, que idealizou e desenhou os traços da adega.  

A Herdade da Godinha (a primeira a ser cultivada) e a Herdade das Argamassas (a mais antiga), encontram-se a escassos quilómetros de Campo Mayor, Alto Alentejo. É nesta última que também se encontra construída a adega, enquadrada na suave ondulação da paisagem onde se encontra cultivada a vinha. É um edifício de linhas rectas, caiado a branco, dividido em dois pisos na sua maior extensão, e com um terceiro piso destinado a uso turístico e promoção dos vinhos. No seu interior, convivem os espaços destinados à produção e ao armazenamento, assim como as zonas sociais, concebidas para a prova e fruição do vinho.

Foi, sem dúvida, um marco grande para o Alentejo, mas também para Portugal, que via nascer uma adega funcional, mas ao mesmo tempo esteticamente bonita. O rectângulo de 40 por 120 metros da adega assenta na cavidade existente e ergue-se em muros de nove metros de altura. No topo sudoeste da construção situa-se o acesso ao edifício. Siza reservou o último piso para a vertente mais social e pública do vinho. Aí foi criada a sala de provas que se abre para um terraço panorâmico com relvado e um espelho de água central encabeçado por um painel esculpido em mármore, desenhado também pelo arquitecto, onde as silhuetas de uma chávena de café, de um copo de vinho e de uma garrafa se sobrepõem. Este terraço panorâmico permite observar a vinha e o olival da herdade bem como avistar Espanha e a Serra de Portalegre.

Tanto na Godinha como nas Argamassas a Adega Mayor apostou nas mais tradicionais castas portuguesas onde se destacam, nas tintas, a Touriga Nacional, Trincadeira, Castelão e, nas brancas, a Antão Vaz, Arinto e Verdelho. Outras foram eleitas para também fazer parte da personalidade dos vinhos da Adega Mayor, como é o caso das castas Syrah, Alicante Bouschet e Petit Verdot, pela sua excelente adaptação à região. A Adega dispõe de moderna tecnologia para a elaboração dos seus vinhos, aplicando as técnicas mais avançadas de enologia, tendo sempre como objectivo a obtenção de vinhos de alta qualidade.  

As marcas são as mais variadas: Caiado, Dizeres, Adega Mayor Reserva, Reserva do Comendador, Pai Chão e vários monocastas são brancos e tintos aos quais os consumidores já se habituaram. Há ainda um espumante e edições de vinhos especiais que completam uma gama rica em qualidade e histórias. Um projecto que veio para ficar, com a neta Rita agora ao comando, um membro da família com quem tinha uma enorme cumplicidade e em quem confiava plenamente para gerir a adega familiar.   

Rui Nabeiro, uma vida cheia

Oriundo de uma família humilde, nasceu em 1931 e começou a trabalhar ainda criança, por volta dos doze anos, a ajudar a mãe na mercearia e o pai e tios na torra do café, numa época em que o contrabando na zona raiana era uma realidade que dava de comer a muita gente. Após a morte do pai, aos dezassete, assumiu o negócio familiar, fazendo-o crescer. Aliou-se aos tios durante uns anos, mas acabou por fundar, já com a mulher e filhos, o seu próprio negócio, a Delta Cafés, em 1961. Da torrefação passou também para a distribuição de café em todo o país, abrindo um entreposto em Lisboa em 1963, e outro no Porto, no ano seguinte.

Líder no mercado dos cafés, e inconformista por natureza, foi somando investimentos e sucessos pela sua vida fora. Foi várias vezes presidente da Câmara de Campo Maior. Em 1982, fundou a Novadelta e, em 1984, uma nova fábrica de torrefação, na altura a maior da Península Ibérica. Em 1988 criou a holding Nabeirogest, a partir da qual somou investimentos no ramo agrícola e vitivinícola, na distribuição alimentar e de bebidas, no retalho automóvel, no comércio imobiliário e na hotelaria.

Em 1995, Mário Soares atribuiu-lhe o grau de comendador da Ordem Civil do Mérito agrícola, Industrial e Comercial, e em 2006, Jorge Sampaio distinguiu-o como comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 2020, foi agraciado com o Globo de Ouro de Mérito e Excelência por Pinto Balsemão.

A sua obra não é só empresarial mas também a de grande benemérito. Gostava de ter relações de proximidade com as pessoas, deu emprego a muita gente, criou infraestruturas para a educação das crianças de Campo Maior, apoiou a investigação, promoção e ensino da divulgação científica na área da biodiversidade, e apoiou instituições de solidariedade, entre tantas acções solidárias que ficarão para sempre na nossa memória colectiva.