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O Admirável Dão Engarrafado

Há certamente muitos bons vinhos no Dão, mas poucos alcançam a genuinidade e a profundidade da região com a elegância deste vinho da Casa da Passarella. Se o Vindima 2009 foi colheita que já impressionou, a de 2011 agora lançada revela ainda maior elegância e afinação.

Quem prova muitos vinhos por dia, de todas as regiões, estilos, castas e idades - faz disso a sua profissão - o grau de exigência torna-se cada vez maior, ao ponto de reconhecer a qualidade de vinhos de topo, mas raramente se deixa impressionar, por melhores que eles sejam. Mas, quando o limite do muito bom passa a excepcional, o caso muda de figura. É o caso deste Vindima 2011.  

Quem se recorda de no passado ter provado grandes vinhos do Dão, pode agora reviver essas sensações através deste tinto, um vinho que homenageia um trabalho de gerações a trabalhar na vinha, destacando ao mesmo tempo a enologia aprimorada que se tem praticado ao longo da última década nesta propriedade de referência situada em Lagarinhos. O autor do vinho, o enólogo Paulo Nunes, é conhecido pelo seu trabalho de investigação, experimentação, e de respeito pelas tradições, tendo conseguido logo a partir da primeira colheita (2009) dar a conhecer um grande clássico da região, detentor de um enorme potencial de envelhecimento. «Este é um grande vinho graças a um legado de vinhas que foram plantadas há dezenas de anos. É um privilégio ter esta matéria-prima para trabalhar e esta liberdade de expressão para criar e dar a conhecer vinhos como este», afirma Paulo Nunes (na foto de entrada).

Elaborado a partir das melhores parcelas de vinhas com mais de 80 anos, onde existem 24 castas, é daqueles vinhos que marcam a memória. Na sua composição encontram-se as castas Baga, Touriga Nacional Alvarelhão, Tinta Pinheira, Jaen, Alfrocheiro e Tinta -carvalha, entre outras. Após a vindima manual, as uvas seguem para a adega, onde são pisadas a pé com engaço total num tradicional lagar de granito. Seguidamente, mergulha-se a manta duas vezes por dia, durante 8 a 10 dias. Acabado de fermentar, o vinho é retirado para um antigo tonel, onde faz a malolática, e ali fica durante um ano. Depois, é transferido para barricas usadas de 600 litros durante mais um ano. Finalmente é engarrafado e só lançado para o mercado dez anos depois, caso o enólogo considere que o vinho atingiu o seu ponto máximo de equilíbrio. Sendo um vinho de intervenção mínima na adega, mas de grande exigência qualitativa, a decisão de o lançar é limitada aos melhores anos.

 



 Uma obra de arte da natureza aliada à sabedoria do enólogo. Estão lá os frutos vermelhos, a especiaria, a resina, o balsâmico no aroma tão característico dos vinhos da região, complementado por bonitos aromas terciários. No paladar é um tinto aveludado e envolvente, de fina complexidade e frescura. Está lá a enorme elegância que a região sempre deu aos grandes clássicos do Dão. 

A par deste vinho, outras novidades acabam de chegar das terras da Casa da Passarella. Vinhos como o Casa da Passarella Villa Oliveira Encruzado 2019, a primeira marca criada pelo produtor, nascida há mais de 100 anos, e produzida em edições limitadas. Nasce de uvas colhidas manualmente, exclusivamente da casta Encruzado, com início de fermentação em curtimenta e final em barrica. Diz quem vos escreve que é um dos mais elegantes Encruzados da região.

Já o Casa da Passarella O Fugitivo Curtimenta 2020, tem um conceito que foge a todas as regras. É um vinho de coleção, vinhos que não se encontram facilmente, só para conhecedores. A Curtimenta, uma técnica que sempre foi usada na Casa da Passarella na elaboração de vinhos brancos (embora este método seja habitualmente usado para vinhos tintos) produz vinhos de enorme carácter, personalidade e diferenciação. 

 



 Outro vinho interessante é o Casa da Passarella O Fugitivo Barcelo 2021, um retorno à raiz mais profunda da Passarella: a vinificação ancestral de castas presentes nos lotes históricos de vinhas velhas. Com este vinho, Paulo Nunes continua também o seu caminho pela recuperação de castas, tendo desta vez sido escolhida a Barcelo para este monocasta. Uma variedade que foi sendo abandonada por ser muito produtiva, mas que já provou dar origem a bons vinhos. «É uma casta à qual devemos continuar a dar atenção já que se porta bem na vinha, não dá problemas de maturação e tem elegância de aroma e sabor», explica o enólogo que reforça ainda a sua intervenção mínima na adega, de modo a mostrar bem o carácter da casta.

Pelo carácter diferenciador, o Casa da Passarella O Fugitivo Pinot Noir também se destacou durante a prova. Famosa pela delicadeza aromática e estrutura, mas também pela história que esta casta singular soube escrever no passado desta casa centenária (é utilizada na Passarella há mais de um século), a casta Pinot Noir serviu de base a este tinto. No passado, fez parte de  célebres ensaios de espumantização nos anos 30 do século XX e, mais tarde, foi a casta que serviu de meio de cultura para as leveduras autóctones da Casa da Passarella, dada a sua precocidade de maturação, que implica uma irrepreensível sanidade. «É a casta mais precoce que temos, mais difícil de trabalhar, mas resulta neste vinho com enorme carácter. Este é um Pinot diferente, usamos engaço parcial no lagar para lhe dar mais estrutura, mas continua a ser um vinho de grande elegância», explica Paulo Nunes

Sobre os vinhos da Passarella: Desde 1892 que a Casa da Passarella, em Gouveia, no Dão, faz grandes vinhos, com as montanhas da Serra da Estrela por testemunhas. Tempo e ‘terroir’ são traves-mestras da sua história. Com 60 hectares de vinhas, algumas delas centenárias, é dali que o enólogo Paulo Nunes colhe diversas castas para fazer as suas experimentações e criações.  O resgate de castas do Dão negligenciadas ou esquecidas é uma das missões que tomou para si, recuperando património da região. Uma responsabilidade que assume com paixão, resultando em vinhos que expressam o  terroir, a essência destas vinhas, e a identidade da Casa da Passarella. Fruto do acaso, da generosidade da natureza, de uma forma de estar, ou do talento de quem passou pelas terras da Passarella, estas terras da sub-região da Serra da Estrela assistiram à criação de vinhos que passaram pelo crivo do tempo e lhe sobreviveram com distinção, ao longo de mais de um século de vida