O ‘pai’ dos vinhos do Alentejo em filme biográfico

Este ano o Évora Wine decorre entre os dias 26 e 28 de Maio e tem uma programação cheia de novidades. Uma das maiores é um documentário biográfico dedicado a um dos grandes homens do vinho em Portugal, o criador do Pêra Manca: Francisco Colaço do Rosário.
Numa época em que se organizam inúmeros eventos dedicados ao vinho, com momentos semelhantes entre si, independentemente na região em que acontecem, há que ver bem a programação de cada um deles para ver o que vale realmente a pena. E a sétima edição do Évora Wine vai valer a pena! Terá mais de 200 vinhos em prova, 40 produtores associados, um número recorde, e a estimativa de receber mais de 7 mil visitantes. Mas, pelo meio de provas, showcookings, entrega de prémios, apresentação de livros e momentos musicais, surge ainda algo imperdível: o documentário dedicado a António Colaço do Rosário, um projecto inédito que dá a conhecer esta figura incontornável da região; considerado o pai dos vinhos do Alentejo mas também uma das principais personalidades da enologia portuguesa. (ver trailer do filme, aqui: https://vimeo.com/705325078 ). (na foto de entrada, à esquerda, Francisco Colaço de Rosário como Confrade da Confraria dos Enófilos do Alentejo, cumprimentando o Ministro da República para os Açores, Laborinho Lúcio, no Solar da Madre de Deus, aquando da realização em Angra do Heroísmo do 1º Simpósio Nacional de Confrarias Báquicas e Gastronómicas. Foto (2004) Revista Verdelho, da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos / ilha Terceira).
A sessão de estreia de «Terroir – o Alentejo, as suas castas e o homem que pensou os vinhos» está marcada para o dia 27 de Maio, às 16h, no Auditório da Fundação Eugénio de Almeida, uma das adegas para onde trabalhou e criou o mítico Pêra Manca, um dos grandes tintos clássicos portugueses. A sessão vai repetir-se no dia seguinte, dia 28 de Maio, às 16h, no Auditório Grande da Universidade de Évora – Colégio Espírito Santo. O filme conta com a produção de António Menêzes; realização de António Menêzes & Rietske van Raaij; e a produção executiva esteve a cargo de António Menêzes e Teresa Colaço do Rosário (filha de Francisco Colaço do Rosário, que também surge no filme a falar sobre o pai, além de outras figuras relevantes do vinho português).
O projeto foi patrocinado pela Fundação Eugénio de Almeida, pela CVRA e pela Direção Regional de Cultura do Alentejo e conta com o apoio à produção do Esporão; do Turismo do Alentejo, E.R.T.; da Confraria dos Enófilos do Alentejo; da Universidade de Évora; da Adega de Borba; da Comenda Grande; e da Adega Cooperativa de Vidigueira, Cuba e Alvito. Se pensarmos que não existe em Portugal nenhum documentário que dê a conhecer figuras incontornáveis do mundo do vinho a nível nacional, estamos então sim perante um filme biográfico mas, mais que isso, um projecto histórico que não só dá a conhecer a personalidade do homem mas também a realidade vitivinícola do país da sua época.
Para quem estuda sobre vinho, a figura de Francisco António Colaço do Rosário não necessita de apresentações. Sócio fundador (1991) da Confraria dos Enófilos do Alentejo, Escanção-Mor de 1991 a 2006 e Confrade de Honra (2000), conquistou desde o seu ingresso em 1962 na Escola de Regentes Agrícolas de Évora a admiração, o respeito e a amizade de todos aqueles que, por razões profissionais, académicas ou pessoais, tiveram o privilégio e o prazer de se relacionarem com ele. Assim, segundo o produtor e realizador António Menêzes, este é um «documento histórico, para ‘memória futura’, baseado em testemunhos de pessoas que conheceram Colaço do Rosário e que, em fases distintas, percorreram com ele uma etapa muito importante da história contemporânea da vitivinicultura alentejana: o reconhecimento do Alentejo como região produtora de vinhos de qualidade. É também uma forma de perpetuar a imagem e o trabalho de um enólogo à procura da identidade do vinho alentejano».
Na base deste documentário estão três grandes entrevistas ao eng. Colaço do Rosário, realizadas em vídeo no ano de 2004. Fala da história dos vinhos do Alentejo, da criação das adegas cooperativas, do célebre PROVA, o Projecto de Vitivinicultura do Alentejo, que ele coordenou entre 1977 e 1979 e da sua participação na génese dos projectos vitivinícolas do Esporão, da Adega da Cartuxa/Fundação Eugénio de Almeida e da Comenda Grande, entre outros. «Se os vinhos alentejanos apresentam actualmente qualidades de excepção e desfrutam de bem merecido prestígio nos mercados nacional e internacional devem-no, de forma indiscutível, à acção do cientista e investigador Professor Engenheiro Francisco António Colaço do Rosário. Ele foi, na realidade, o pioneiro da criação dos novos vinhos alentejanos, com especial menção para os produzidos no distrito de Évora, cidade onde aliás viveu mais de metade da sua vida», revela ainda António Menêzes em comunicado.
Um percurso profissional marcante
Nascido a 23 de Dezembro de 1935 em pleno Baixo Alentejo, na freguesia de Messejana, do concelho de Aljustrel, Colaço do Rosário era filho de agricultores com posses que lhe deram uma esmerada formação. Veio a licenciar-se no Instituto Superior de Agronomia, no qual posteriormente ensinou Tecnologia e Indústrias com especialização em Enologia, a sua grande paixão. Em 1962 transfere-se para Évora, para leccionar na Escola de Regentes Agrícolas, instituição onde chega a ser Sub-Director e se manterá até 1972, data da sua extinção. Foi aí que deu começo à sua carreira de investigador, que irá prosseguir nos anos seguintes como docente na Universidade de Évora, sem mudar de local de trabalho, dado que esta vem a herdar os melhores quadros da Escola de Regentes Agrícolas e as respectivas instalações. Depois de ter frequentado um estágio na Universidade Vitivinícola de Geisemheim embrenha-se em vários estudos e projectos: «Caracterização dos Vinhos das Adegas Cooperativas do Alentejo», com o apoio da Comissão de Planeamento da Região Sul e depois da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, «Classificação de castas portuguesas por Microvinificação da Universidade de Évora» e «Introdução do bacelo enxertado certificado em Portugal», envolvendo a Universidade de Évora e a Estação Agronómica Nacional – Departamento de Fitopatologia de Oeiras, com co-financiamento de transferência de tecnologia alemã. Colaço do Rosário estende a sua colaboração à fundação da Finagra – Adega do Esporão, de José Roquete, e durante muitos anos trabalha como enólogo da Fundação Eugénio d’Almeida, sendo o condutor do projecto Cartuxa, e no desenvolvimento do qual ajuda à recuperação de castas autóctones praticamente perdidas (nomeadamente no vinhedo de Pêra Manca, com cinco séculos de existência) e ao melhoramento de outras, pela introdução de novos métodos, como a vinificação a frio. Com isto assegura o desenvolvimento técnico e científico aos vinhos da região, ganha prestígio em todo o mundo e na Universidade de Évora, onde continua como professor e investigador, em companhia do seu grande amigo, João Araújo, a fazer escola influenciando a formação de novos enólogos. Ambos unirão esforços para a criação do Núcleo de Estudos de Vitivinicultura na academia eborense, passo fundamental para o renascimento e consolidação do Alentejo vinícola.

Francisco Colaço do Rosário, é o primeiro a contar da direita.
Como era inevitável, colaborou também na criação da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana, organização de acompanhamento técnico e certificação, e esteve na gestação da Confraria dos Enófilos do Alentejo. E no meio de tantas investigações, experiências, trabalhos produzidos, palestras, conferência e aconselhamentos, ainda arranjou tempo para dar aulas na Escola Superior Agrária de Beja, para além da docência na Universidade de Évora. Em 1997 o Estado Português agraciou-o com a Comenda da Ordem de Santiago da Espada e em 2000 a Câmara de Évora atribui-lhe a Medalha de Mérito Municipal, Classe Ouro.
O Pai dos Vinhos Alentejanos, como tantos o apelidavam, deixou-nos a 20 de Janeiro de 2008, após doença prolongada, mas trabalhou até ao fim. Na altura, o seu colega Mota Barroso, do Departamento de Filotecnia da Universidade de Évora, afirmou: «a vitivinicultura do Alentejo não nasceu com Colaço do Rosário, mas foi com ele que ganhou o respeito e a admiração nacional, que atingiu a maturidade, que passou a contar para as estatísticas do Produto Nacional. O seu nome ficará para sempre ligado à demarcação da região como produtora de vinhos de qualidade, pelos estudos que realizou no âmbito do programa Prova, mas também pelos obstáculos que conseguiu remover para concretizar o seu sonho». E acrescentou ainda: «era acima de tudo um Alentejano de fé e com uma fé imensa nesta terra, nesta terra onde nasceu e pela qual trabalhou toda uma vida. De uma verticalidade e frontalidade raras nos tempos que correm, soube sempre colocar os seus princípios à frente de qualquer compromisso». Por sobre tudo isto, dele ficou a imagem de uma grande distinção, nobreza de carácter, inexcedível cavalheirismo e excepcional afabilidade no trabalho. Foi um Senhor na verdadeira acepção da palavra.
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