Crónica

O vinho esquecido

No outro dia descobri um tinto da Bairrada de 2009 esquecido no meu ‘armazém de arquivo’ (vinhos que guardo para beber daí a uns anos e ver a evolução) e acabei por agarrar na garrafa e levá-la para um almoço com um colega e amigo que dá valor a estas descobertas. O vinho – Valdazar – é do Carlos Campolargo, um advogado que deixou de exercer para se dedicar à produção de vinho em meados da década de 80, seguindo o legado familiar que lhe foi deixado nesta área.

Campolargo não é um produtor comum, não aparece muito, não segue modas, pouco liga à comunicação dos seus produtos (o que é pena, diga-se de passagem, senão ouviríamos falar mais dele), e tem uma visão muito própria, e por vezes controversa, que no passado já irritou muita gente. Como, por exemplo, o facto de ter sido ele um dos primeiros – e ainda hoje dos poucos – a apostar em castas estrangeiras combinadas com castas portuguesas em vinhos tranquilos na Bairrada, região ainda hoje pouco dada a vanguardismos desta natureza. Ou, em tom provocador, dizer que a Baga, plantada por toda a região centro do país, não é um exclusivo da Bairrada; ou até lançar a dúvida se a casta não terá vindo do Dão. Polémicas à parte, sempre gostei muito dos vinhos de Carlos CampoLargo, e deles tenho escrito ao longo da minha carreira. E, embora este Valdazar esteja longe de ser um dos meus preferidos, gostei dele ao ponto de ter guardado uma garrafa do dito para poder provar daí a alguns anos.

Apesar dos anos, e de já se sentirem os terciários (aromas de envelhecimento) o vinho ainda tinha os aromas primários (da fruta) evidentes e notas vegetais. Apenas um ligeiro toque de fruto seco e fumo denunciava os 16 anos que passaram por ele. Na boca revelou-se muito envolvente e agradável, com os taninos já comportados e um final de boca profundo.  Uma agradável surpresa, até porque, como já referi, há vinhos no portfolio de Carlos Campolargo que se destacam mais.

As castas Trincadeira, Baga, Touriga Nacional e Tinta Barroca, cultivadas na Quinta de Vale de Azar (daí o nome do vinho) – propriedade com 60 hectares de solos argilo-calcários na freguesia de Arcos –, complementam-se neste tinto de perfil equilibrado e sofisticado.

A particularidade desta quinta está na sua topografia. As vinhas ocupam a encosta sul e norte de uma colina que se ergue a partir de Mogofores, a nascente, e se estende até Paredes do Bairro, a poente. Esta diversidade de exposições solares permite-nos obter perfis de uvas distintos dentro da mesma propriedade. Já na adega, a vinificação fez-se respeitando as características das castas, que foram desengaçadas totalmente e fermentadas juntas em pequenos lagares de inox com pisa mecânica. A fermentação maloláctica (o que também ajudou à maciez do vinho) e o estágio de 12 meses em barricas usadas de carvalho francês deram-lhe mais alguma estrutura e elegância.

As primeiras garrafas provadas, há mais de dez anos, eram obviamente bem mais marcantes no paladar, mas agora o vinho está no seu ponto (mais) que ótimo. Um senhor vinho, distinto e elegante, muito bem conservado para a idade, ainda a mostrar pujança e a surpreender pela positiva.  Sem dúvida uma boa surpresa ter provado este vinho, valeu a pena tê-lo encontrado no armazém. Quem o tiver na garrafeira (esta ou outra colheita mais antiga) não o deixe escapar! Quem não o tiver, que o compre e esqueça na garrafeira para o beber daqui a uns anos pois vai de certeza evoluir muito bem!