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Os Vinhos do Chefe

Miguel Castro e Silva é um dos chefes de cozinha mais conhecidos pelo gosto e ligação que tem aos vinhos. Recentemente, organizou uma prova que mostrou seu o trabalho desenvolvido nesta área nos últimos anos.  

Natural do Porto e chefe de cozinha com uma carreira já consolidada, Miguel Castro e Silva sempre foi um apreciador de vinhos e sempre gostou de descobrir diversos estilos que o levaram ao longo do seu percurso a fazer várias parcerias com produtores e enólogos de referência na elaboração dos seus próprios vinhos, vendidos em exclusivo nos seus restaurantes. Parcerias de chefes com produtores de vinho já não são novidade, mas Miguel vai bem mais além e envolve-se com entusiasmo ao ponto de ir às vinhas provar as uvas e definir, ali mesmo, as castas que vão compor os seus vinhos. Não há muitos chefes assim.

Nos últimos anos este trabalho foi desenvolvido principalmente com o grupo Gran Vinhos, (a empresa que detém a Quinta de Ventozelo, no Douro; as Caves Gran Cruz em Gaia; e a Gran Cruz House, no cais da Ribeira, no Porto), de quem o chefe é consultor gastronómico há já muitos anos.  O amigo e enólogo responsável da empresa, José Manuel Sousa Soares, tem sido um dos seus principais cúmplices no projecto, mas é Miguel quem define os vinhos ao seu estilo e gosto, produtos que depois são vendidos nos restaurantes e lojas do grupo, ou encomendados diretamente ao chefe.

Foi assim que, passados estes anos,  Miguel Castro e Silva decidiu organizar em Lisboa, no estúdio Simon Says, uma prova de vinhos que incluiu várias verticais de alguns dos seus melhores anos dos Quinta de Ventozelo Viosinho (Magnum de 2014, 2017 e 2012); Field Blend Branco (de 2017 e 2021); Field Blend Tinto (2015, 2016, 2017, e 2021); Syrah (2014, 2017, 2021); além de alguns lotes especiais como o Barrica branco e tinto 2020 e o Porto Dalva Lote MCS branco 2015. Vinhos que foram posteriormente harmonizados com pratos de comida tradicional confecionada pelo amigo e chefe José Julio Vintém, que marcou presença no evento.


Miguel Castro e Silva, ladeado pelos amigos Jorge Simão, à esq (do Simon Says Studio) e José Julio Vintém, à dirt (do restaurante Tomba Lobos).



Provados os vinhos, confirmou-se novamente o talento de Miguel Castro e Silva para os vinhos. Independentemente das castas e do gosto do chefe, são vinhos com boa presença e frescura no paladar, por isso bons para comida, num misto de vinhos mais simples e outros mais complexos, mas nunca comerciais.

Uma das estrelas da prova, a Magnum Quinta de Ventozelo Viosinho 2017, elaborado maioritariamente com uvas de Viosinho (90%) e o restante de Malvasia Fina, revelou-se ainda vibrante apesar dos anos, com aroma ainda fresco a citrinos, notas florais complexas e também minerais a complementar. No paladar uma excelente acidez, fruta de qualidade e um final longo e equilibrado. «Foi um ano muito seco, em que as maturações se desenrolaram com pouca água. Foi das vindimas mais precoces de que há memória no Douro, com mostos ricos e concentrados, a mostrar tendência para um grau alcoólico alto. Apesar dos baixos rendimentos na região, decorrentes da seca, os vinhos produzidos neste ano mostram um grande potencial de qualidade», diz Miguel Castro e Silva.

Ainda falando dos Monoscastas, o Syrah também se revelou muito interessante. Ao contrário do que costuma acontecer com muitos vinhos desta casta que costumam ter um perfil muito comercial, demasiado frutados e enjoativos, o Quinta de Ventozelo Syrah de Miguel segue para o lado oposto e mostra uma fruta contida, sendo um vinho seco, com boa acidez e equilíbrio no paladar. Este equilíbrio, por vezes difícil de conseguir, manteve-se ao longo das colheitas provadas, revelando o bom potencial que o vinho teve em garrafa.  De notar que as colheitas de 2014 e 2017 foram elaboradas com 90% Syrah e um mix de 10% de uvas brancas, o que demonstrou um perfil mais frutado; e o de 2021 mudou radicalmente de estilo na colheita de 2021, para um aroma mais floral e perfil mais seco, por ter sido elaborado com os seus 55% Syrah e 45% Touriga Franca. «As uvas foram desengaçadas e passaram por uma escolha manual bago a bago. A fermentação foi feita em lagar, com maceração pré-fermentativa e controlo de temperatura. Os lotes finais são sempre feitos por mim e a mudança de estilo deve-se também às tendências e à evolução do meu gosto pessoal», revela o chefe.




Dos vários vinhos em prova, cada um destacando-se de diferentes formas, também o Porto Dalva branco 2015 mostrou garra e originalidade. Sendo do Porto e apreciador de vinho do Porto, Miguel é um dos seus grandes embaixadores e grande entusiasta. Após uma extensa degustação que o levou a descobrir um vasto stock de vinhos cuidadosamente armazenados ao longo do ano nas Caves da Dalva, surgiu a ideia de criar um Vinho do Porto Branco com per­l mais seco e aberto. Produzido a partir de castas tradicionais brancas do Douro, entre as quais Malvasia Fina, Viosinho, Donzelinho e Gouveio, foi vinificado tradicionalmente, com a fermentação interrompida por adição de aguardente. «Composto por vários lotes vini­ficados e estagiados de diferentes formas, deu origem a um vinho elegante, com menos doçura que o normal, meio seco, e muito complexo» afirma o chefe, que pretende continuar a divertir-se nas vinhas e  a produzir vinhos ao seu gosto. «Esta prova serviu para mostrar o que tenho feito, o percurso dos vinhos, as mudanças de perfil consoante as tendências e o meu gosto. São vinhos pensados para a comida e é com o maior prazer que faço estes vinhos para quem os quiser provar. São vinhos sem a carga comercial inerente à maioria dos vinhos, vinhos pensados com tempo para quem gosta de descobrir vinhos diferentes e de qualidade», remata.