Passarella: o respeito pelo terroir

As vinhas centenárias da Casa da Passarella representam um património genético único, cuidadosamente preservado ao longo de séculos. As novas colheitas apresentadas ao mercado deste produtor do Dão continuam a conjugar tradição e inovação, mantendo viva a identidade que o tornou numa referência incontornável da região.
Fundada há mais de um século, a Casa da Passarella tem-se destacado pelo seu trabalho de recuperação de castas autóctones e pelo rigor aplicado às práticas de viticultura. Estes factos, aliados a um profundo respeito pela história da região e particularmente da Passarella, resulta em vinhos que captam a essência do Dão, mas também tem os olhos postos num futuro arrojado. Segundo Paulo Nunes, enólogo da Casa da Passarella, «o respeito pelo passado e a curiosidade pelo futuro move-nos. Cada vinho mostra o nosso trabalho nas vinhas, sempre a tentar fazer melhor e surpreender, e assim queremos continuar nesse caminho» afirma, convicto. Na prova das novas colheitas, destacaram-se vários vinhos, entre os quais os Villa Oliveira e O Fugitivo, que revelam duas abordagens distintas, embora complementares: a continuidade de um legado centenário e a exploração de novas possibilidades.
O Villa Oliveira Vinha das Pedras Altas 2017 é proveniente de uma vinha com mais de 90 anos, uma das mais altas da propriedade, onde se destacam castas tradicionais como a Baga, Alfrocheiro, Touriga Nacional e Alvarelhão. Com fermentação espontânea em cubas de cimento e um estágio prolongado de 36 meses em tonéis de 30 hectolitros, este vinho combina corpo, frescura e elegância, apresentando aromas de frutos vermelhos e um final de boca longo que promete envelhecer com grande dignidade. Como explica o enólogo, este vinho reflete-se mais no trabalho de viticultura do que no de enologia: «Este vinho, tal como outros que produzimos, são feitos com simplicidade mas exigentes em sabedoria. Ou seja, são como peças de puzzle, vamos buscar as melhores uvas a diferentes parcelas para fazer o melhor vinho, temos de saber onde ir buscá-las», explica. Nos mais de 60 hectares de vinhas distribuídas por sete parcelas, valoriza-se assim a diversidade dos terroirs, que têm exposições solares distintas e vindimas realizadas em calendários específicos. Cada vinha tem características únicas, sendo monitorizadas num total de mais de 2.500 controlos de maturação para garantir a excelência das uvas. «Muitas vezes a equipa diz-me com graça: ‘quando chegarmos às vindimas já não há uvas boas para colher, foram todas para os controlos de maturação’», diz, soltando uma gargalhada! Assim, não é de estranhar que este vinho se destaque pela qualidade dos detalhes e seja apenas produzido nos melhores anos. A primeira edição foi lançada em 2012.

Outro vinho notável é o Villa Oliveira Vinha Centenária Pai D’Aviz 2018, uma homenagem aos vinhos clássicos do Dão dos anos 60, elaborado a partir de uma vinha centenária com castas autóctones como a Baga, Jaen e Tinta Amarela. Apresenta uma cor clara e aromas complexos que combinam frutos silvestres, notas terrosas e vegetais. Este vinho sofisticado passa por uma vinificação tradicional em lagares de granito, seguida de um estágio de 36 meses em tonéis de 25 hectolitros. O perfil balsâmico, com destaque para a fruta preta, reflete a influência da vinha localizada numa área de exposição a norte e rodeada por floresta, contribuindo para o seu caráter genuíno. É um vinho com textura rica e várias camadas que lhe dão complexidade. Foram produzidas 3.600 garrafas desta edição, tendo sido a sua primeira colheita de 2017.
Já o Villa Oliveira Touriga Nacional 2018, elaborado a partir de vinhas entre os 40 e os 90 anos, «é a expressão mais pura da Touriga Nacional», segundo diz o enólogo. Com um perfil clássico, este vinho destaca-se pela frescura, estrutura, aromas suaves florais e de fruta preta, notas minerais e um longo final de boca. A primeira edição remonta a 2009 e, apesar dos desafios enfrentados pela casta ao longo da última década, o enólogo afirma com convicção: «Tenho cada vez mais certeza do lado nobre da casta. Neste vinho, tem um perfil mais seco, menos exuberante no aroma e marcada por uma mineralidade e elegância incríveis». A fermentação decorreu em cubas de cimento, com extração suave e remontagens diárias, enquanto a fermentação malolática foi realizada com as massas, também em cubas. Foram produzidas apenas 2.500 garrafas.

Por seu turno, a colecção da gama O Fugitivo é a expressão mais ousada da Casa da Passarella. O Pinot Noir 2021 é resultado de anos de estudo e experiências com esta casta. Fermentado em lagares de granito e estagiado por 24 meses em barricas de carvalho francês usadas, apresenta uma cor aberta, textura delicada e uma complexidade cativante. Por sua vez, O Fugitivo Espumante Baga 2018 recupera os métodos de espumantização dos anos 30 e 40 do século passado desenvolvidos inicialmente em Portugal por Mário Pato, figura marcante do mundo do vinho do século XX, um dos fundadores da enologia moderna e um dos seus primeiros mestres. Produzido pelo método clássico, com segunda fermentação em garrafa e um estágio de 46 meses sur lies (sobre borras), este espumante tem uma cor muito subtil, tipo casca de cebola, e um aroma muito suave de frutos vermelhos com notas tostadas.
O Futuro da Casa da Passarella, segundo Paulo Nunes, continuará a passar pelo estudo dos solos e das vinhas, e pelas práticas sustentáveis que assegurem a qualidade para as gerações seguintes. Vinhos que valorizem a história, mas que não se limitem a ela.

