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Quem arrisca, petisca!

Manuel Lobo de Vasconcelos, enólogo conhecido por assinar outros vinhos como os da Quinta do Crasto, no Douro; e da Quinta do Casal Branco, no Tejo; arriscou-se agora a produzir vinhos em nome próprio. Um projecto recente desenvolvido na região do Alentejo, mas que já está a dar frutos no mercado nacional e internacional.

Oriundo de uma família de produtores de vinho há mais de 200 anos, e também de engenheiros agrónomos, Manuel Lobo de Vasconcelos (na foto de entrada, ao centro, rodeado da  sua equipa) diz que «a LV – Lobo de Vasconcelos Wines surgiu de forma natural». O vinho corre-lhe não só nas veias, mas também no coração, pois em tudo aquilo que faz coloca uma enorme paixão.  Investiga, faz experiências, dá o seu melhor.

Assim, após terem sido feitas partilhas familiares, Manuel decidiu agarrar o desafio de pegar nas terras de família no Alentejo, associar-se ao amigo e agora sócio Francisco Bessa (na foto de entrada, à esquerda), e criar vinhos em nome próprio. No entanto, apesar do novo desafio, faz questão de frisar que continuará com os projectos já assumidos com o Crasto e o Casal Branco, propriedades que fazem parte do seu ADN e nas quais é enólogo há já largos anos.

Além da experiência adquirida em terras lusas, Manuel Lobo de Vasconcelos andou anteriormente por outras paragens a acumular conhecimentos (em França, Austrália e Estados Unidos da América). Já a trabalhar em Portugal, implementou um estilo muito próprio, um cunho muito pessoal nos vinhos que elabora, sempre muito limpos, afinados, frescos e elegantes. É este, aliás, o perfil da sua nova gama de vinhos.

São 543 hectares de terreno com 46 hectares de vinha (40 hectares de uvas tintas e 7 hectares de uvas brancas), divididos entre duas vinhas; a primeira situada na Herdade da Perescuma, e a outra na Herdade do Zambujal do Conde, ambas na sub-região de Évora. Cada uma com características próprias e muito vincadas, decorrentes das condições edafoclimáticas, das particularidades do solo (os solos dividem-se entre os Franco Argilo Arenoso; o Franco Arenoso, o  Franco Arenoso (férrico) e o Calcário Argiloso), e da forma única como as castas que ali são produzidas se adaptam a estas condições. Tal como explica o enólogo, a produção dos vinhos LV – Lobo Vasconcelos, tem como missão «Promover a autenticidade dos terroirs ali existentes juntos dos apreciadores de vinho através da criação de vinhos únicos e autênticos».

Conhecer e perceber os solos existentes foi fundamental para a plantação da vinha


Nas vinhas coexistem as castas Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Touriga Franca, Syrah e Souzão, nas tintas; e nas brancas a Verdelho, a Sauvignon Blanc e a Viosinho. A viticultura é sustentável, de produção Integrada, respeitadora da biodiversidade existente e segue regras para conservação e melhoramento da estrutura do solo.

Conhecer e perceber o 'terroir' de cada vinha foi o primeiro passo para desenhar o perfil dos vinhos. «Estivemos dois anos a estudar as vinhas e os melhores porta enxertos para cada tipo de solo, de forma a obter melhores resultados», afirma Manuel Lobo de Vasconcelos. «Utilizamos 96% de uvas próprias. O restante vem de uma vinha próxima, que conhecemos bem, e onde vamos buscar a Arinto, que é uma casta que nos faltava na vinha», explica.

A adega tem a capacidade máxima para produzir 1.200.000 Litros, as vindimas são mistas (manual e mecânica, nocturnas) e a intervenção na adega mínima, com vinificação clássica de elevado rigor técnico. Este trabalho inclui um trabalho muito sério no que diz respeito às barricas, já que se pretende «um perfil de vinhos clássico e com um posicionamento de vinhos premium», remata. Para o apoiar nesta tarefa, Manuel Lobo de Vasconcelos conta ainda com o precioso apoio técnico de Joana Lopes, uma enóloga igualmente premiada e uma trabalhadora incansável. (na foto de entrada, ao lado de Manuel Lobo de Vasconcelos).

As vinhas na Herdade do Zambujal, sub-região de Évora



Uma prova especial

Apesar da fama e reconhecimento que alcançou ao longo dos anos, Manuel Lobo de Vasconcelos foi dando a conhecer os seus vinhos com algumas cautelas, primeiro falando com alguns players do mercado nacional, mas principalmente no mercado internacional, onde teve muitas surpresas. «Tive um distribuidor que me contactou antes de ir a uma feira de vinhos internacional, onde iria provar os meus vinhos, que me queria fazer uma encomenda sem mesmo os ter provado porque conhecia o meu trabalho. Agradeci-lhe e disse-lhe que, mesmo assim, era melhor prová-los na feira, e lá marcámos o dia… Mas quando me reuni finalmente com o distribuidor, ele manteve o que disse e já foi para a reunião com a nota de encomenda enviada sem antes ter conhecido os vinhos. Só posso estar grato pela confiança», disse, sorrindo. Ultrapassados os primeiros contactos, e já com uma colheita no mercado, Manuel Lobo de Vasconcelos decidiu por fim lançar os seus vinhos 'oficialmente'.

O LV Branco 2021 foi elaborado com as castas Arinto e Verdelho, em metades iguais, a partir de vinhas entre os 15 e os 20 anos. As uvas foram previamente selecionadas e transportadas em caixas de 22 kg, sujeitas novamente a rigorosa triagem à entrada da adega. Após desengaçadas e prensadas, o mosto foi transferido para uma cuba de inox onde se manteve a uma temperatura de 8 graus durante 48 horas até à sua decantação. Seguidamente decorreu a fermentação alcoólica em cuba de inox com temperaturas controladas de 14 graus durante um período de 30 dias. O envelhecimento foi de 8 meses de estágio em Inox, com bâtonnage nas borras finas, ao abrigo do oxigénio. No aroma é citrino e mineral, com alguma nota floral. Na boca untuoso, com acidez viva e estrutura muito equilibrada.

Mais estruturado é o LV Reserva Branco 2021, com a mesma composição que o LV branco, mas com um acabamento diferente. Ou seja, terminada a decantação, e após o início da fermentação alcoólica em cuba, o vinho foi transferido para barricas de carvalho francês, onde efetuou a fermentação alcoólica, com temperaturas controladas de 15 graus durante um período de 30 dias. Finalmente, estagiou 9 meses em barricas de carvalho francês, com bâtonnage nas borras finas. Com um aroma ligeiramente mais fechado que o anterior, tem uma mineralidade evidente com notas citrinas e florais a complementar. No paladar é marcante, fresco, mas elegante e com volume de boca, terminando persistente.  

Nos tintos, o LV Tinto 2019 é elaborado com 40% Touriga Nacional, 30 % Syrah, e 30% Alicante Bouschet, a partir de vinhas entre os 15 e 26 anos. Depois de transportadas e selecionadas À porta da adega, foram desengaçadas e ligeiramente esmagadas. O mosto foi posteriormente transferido para cubas de fermentação em aço inox com temperatura controlada e as remontagens feitas de acordo com a evolução da fermentação e da casta. Por último, parte do vinho estagiou 6 meses em barrica de carvalho francês usada, de 225 litros. No aroma destacam-se as notas de frutos silvestres, e especiaria. Um vinho sedutor, de excelente volume, estrutura sólida composta por taninos de textura elegante.

No entanto, e apesar deste primeiro tinto surpreender por ser um vinho acima da média, muito elegante e fino, um vinho premium já com uma estrutura e boa presença, o LV Reserva tinto 2019 destaca-se por ser mais marcante. Elaborado com  30% Syrah, 25% Alicante Bouschet, 25% Cabernet Sauvignon e 20% Touriga Nacional, é proveniente de vinhos entre os 21 e 26 anos. Comparando com o ‘irmão mais novo’, a parte final da vinificação é que marca a diferença. O envelhecimento decorreu durante 18 meses em barrica de 225 litros carvalho francês. No nariz tem boa intensidade aromática, sem ser em demasia. Destacam-se os frutos vermelhos, boa mineralidade e especiaria. Na boca é volumoso e estruturado, com textura aveludada. Um vinho muito cativante, sedutor. «Este vinho tem a particularidade de ter a casta Cabernet em solos argilo-calcários. É um desafio difícil mas, quando dá certo, tem uma enorme elegância e dá muita frescura ao lote», explica o enólogo.

No último tinto - Vinha do Norte 2019, o lote é feito com 40% Touriga Nacional, 40% Touriga Franca e 20% Tinta Roriz, a partir de vinhas com mais de 15 anos, e exposição Norte, o que confere ainda maior frescura ao vinho. Neste caso, e após o final de fermentação, o vinho  fez  contacto pelicular por um período de 10 dias, tendo sido posteriormente prensado suavemente e separado o mosto lágrima do mosto de prensas. Envelheceu depois 20 meses em barricas de 225 Litros de carvalho francês. O lote final resulta da seleção das melhores barricas. De cor quase opaca, diferenciando-se dos restantes tintos, tem um aroma intenso e complexo, de fruta vermelha, especiaria, esteva e notas balsâmicas e minerais a pontuar. Tudo em perfeita harmonia, resultando num conjunto único de grande frescura, complexidade e profundidade. Volumoso, fresco e persistente.

Não fosse um apaixonado por vinho do Porto, e já que não o pode fazer no Alentejo, Manuel Lobo de Vasconcelos idealizou em sua substituição um licoroso para completar a gama de vinho. Assim, o LV Licoroso 2020 é elaborado com as castas Touriga Nacional ; Touriga Franca ; Sousão e outras uvas de vinhas entre os 25 e 60 anos de idade. Após selecionadas, foram vinificadas em lagar com a tradicional pisa a pé, e após fermentação o vinho foi envelhecido em meias pipas de carvalho durante 24 meses. O LV Licoroso é uma edição limitada de 1500 garrafas numeradas, um vinho único da colheita de 2020, do qual a equipa muito se orgulha, já que marca a primeira vindima e o início da Lobo de Vasconcellos Wines. O vinho envelheceu 24 meses em meias pipas de carvalho. De cor carregada, revela frutos vermelhos no aroma e notas de cacau. Na boca mostra um excelente volume e uma estrutura compacta composta por taninos sérios, de excelente textura e polimento. Um vinho que termina de forma harmoniosa, e que, devido a não ter sido sujeito a qualquer filtração, reúne todas as condições para evoluir positivamente em garrafa.