Entrevistas

Ralf Schmidt-Stosberg – Um profissional de mão cheia

É alemão mas português de alma, já que mora em Portugal desde garoto. E não há quem não o conheça no sector dos vinhos. Ralf Schmidt-Stosberg é um dos fundadores da Alug’Aqui, uma das maiores empresas de aluguer de equipamento hoteleiro em Portugal, e o representante da Schott Swiezel no nosso país, um dos maiores fabricantes de vidro do mundo, em particular copos e decanters em vidro e cristal. Continuar a crescer é o mote. 

O que é que queria ser quando era miúdo? 
Como desde sempre usei óculos grossos, não dava para ser aviador (risos). Como morava perto da praia, percebi que mar, vento, vela, mergulho e natação, era o meu ambiente, daí ter criado um sonho em miúdo de ser faroleiro das Berlengas (risos). Só em dias de extrema boa visibilidade se conseguia ver essas longínquas ilhas do meu quarto em Chão de Meninos, em Sintra ... Ou seja, trabalhar no mundo dos vinhos foi obra do acaso. Basicamente, as oportunidades atravessam-se à nossa frente e nós só temos de estar ‘acordados’ para as agarrar…

A Alug’Aqui está sempre presente quando se fala de vinho e gastronomia.  Quando é que fundou a empresa?
A empresa nasceu em 1999 com três sócios, eu, a minha irmã Sílvia e a minha mulher, a Filipa, cada um com um terço de quota. Os primeiros alugueres foram feitos por altura da Expo 98. Começámos com apenas copos, louça e talheres, mas o negócio foi crescendo. Em 2000 acrescentámos mobiliário e, em 2010, equipamento de cozinha. Logo no ano a seguir abrimos uma sucursal no Porto, em 2006 no Funchal, em 2007 no Algarve, que depois acabou por ser transferida para Évora, para ser mais central. Hoje, a Alug’Aqui lidera o segmento do aluguer de equipamento hoteleiro em Portugal, sendo a única empresa com presença nacional através das suas 4 delegações regionais.

Como foi a sua formação no sector dos vinhos? 
A minha formação começou em casa bem cedo, onde durante as refeições nem sempre assuntos de trabalho eram evitados e muito menos banidos. Ser bilingue e ter uma vivência de afectos também foi muito importante. O meu pai veio para Portugal em 1955 com a função de elaborar um estudo de mercado para ferramentas e máquinas, mas acabou por apaixonar-se pelo país e ficou, criando em 1960 a sua própria firma de representações, a Schmidt-Stosberg. Em 1974 mudámo-nos de Lisboa para Sintra onde, na altura, ainda se brincava na rua, pedia-se boleia para ir à praia grande, saltava-se as fogueiras no São Pedro e matavam-se porcos na garagem dos vizinhos. Os primeiros contactos com o vinho são dessa altura, porém, confesso que não gostava muito. Só do licor de ovos que os meus pais serviam aos amigos quando iam lá a casa e eu acabava por fazer uma pré-lavagem aos copos antes de ir para a cama (risos). E adorava. Já no início dos anos 80, eu e os meus colegas teenagers almoçávamos na vizinha Quinta de São Vicente, por 20 escudos (10 cêntimos!) uma bifana, batatas fritas e uma tacinha de vinho branco... 

Então começou cedo a provar vinho
Sim, mas confesso que de início gostava mais de cerveja… até que, numa certa sexta feira, o meu amigo Chico, terceira geração da famosa casa de queijadas e travesseiros ‘Casa do Preto’, em Sintra, me convidou para uma tarde de adega. Eu tinha mais ou menos quinze anos e os ‘tios’ presentes encarregaram-se de iniciar ‘o alemão’ no vinho, em concreto, no vinho Ramisco de Colares. Nunca me esquecerei do primeiro trago, onde aprendi que nunca mais conseguimos lavar a língua do particular sabor desse vinho único que ainda hoje em dia mexe muito comigo. Mas o decisivo contacto com o mundo do vinho deu-se na Primavera / Verão de 1986, com dezassete anos, quando entrei no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e o vinho passou a ser mais frequente à mesa. Foi também nesse ano que o meu pai, que já representava a Schott em Portugal desde 1960, recepcionou novas amostras de copos. Entre 1974 e 1986, fruto da estratégia nacional protecionista do pós 25 de Abril era inviável importar copos da Alemanha, por isso as amostras que tínhamos do início dos anos 70 já estavam desactualizadas e recebê-las foi um acontecimento. 

Estou a ver o filme, começou também a interessar-se pelos copos… 
Sim. Nessa altura, o meu pai estava claramente mais vocacionado para o vidro técnico da Schott - vidro de laboratório, lentes para óculos, tubos para ampolas, fibra ótica, entre outros - e só mais tarde se dedicou à colecção da Schott Zwiesel que já tinha quase 2 mil diferentes copos…Lá vieram os copos e, logo aí, surgiu o primeiro desafio… 

Qual?
O meu pai pediu duas amostras de cada copo, a primeira para ficar na empresa e a outra a circular entre clientes potencialmente interessados. Nunca esperámos receber 4 paletes com centenas de copos dispersos. Os embaladores bávaros das ditas paletes colocaram dois copos iguais na remessa, mas apenas etiquetaram um e fizeram gala em misturar o máximo possível o segundo não etiquetado pelas demais paletes…Nas três semanas seguintes, tornei-me um perito no jogo da memória, a juntar copos aos pares (risos). A partir daí, e já em pleno usufruto da vida fantástica estudantil no Instituto Superior Técnico, todas as visitas do meu pai e do seu vendedor aos clientes eram agendadas segundo a minha disponibilidade em descobrir mais pares de copos (risos).

Em que é que se formou?
Tirei o curso de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, ramo de Telecomunicações. Porém, perto do final do curso apercebi-me que não seria essa a minha vocação, daí ter optado em 1994, após 3 anos de intervalo onde me tornei empresário, por tirar o mestrado em Marketing e Gestão na Universidade Católica, universidade à qual me mantive associado como professor durante sete anos a leccionar a cadeira de Marketing no primeiro ano do curso de Línguas Estrageiras Aplicadas.  

Mas acabou por se dedicar totalmente à empresa…
Sim. Recordo-me do arranque do Marinotel, Vila Vita e Hotel Madeira Palácio como os meus primeiros projectos na hotelaria nacional. Através do meu infelizmente já falecido amigo António Cordeiro, dono do mítico restaurante Barrote Atiçado, na Pontinha, fui convidado para os primeiros jantares vínicos organizados pela Revista Vinhos, onde os excepcionais vinhos contrastavam com o desastroso serviço de mesa, já que o número de copos era quase sempre insuficiente e desadequado! No final do primeiro jantar, pedi à Revista de vinhos para me ir convidando para esses jantares e, em contrapartida, colocava um stock de 1000 copos itinerantes adequados à ocasião. Foram esses copos o verdadeiro arranque e o início da Alug’Aqui ...E foi aí que comecei a perceber que fazia parte da indústria de vinhos em Portugal. Como se pode ver, não se livraram de mim (risos). Foi nesta altura que comecei a aprimorar o meu paladar, a gostar cada vez mais dos nossos vinhos… 

Um dos projectos mais recentes foi um decanter para vinho do Porto desenhado pelo arquitecto Siza Vieira, que também já havia desenhado copos para Porto para a Schott…
Os copos Siza há anos que são vendidos com grande sucesso, milhões de copos vendidos e as exportações em crescendo contínuo desde o primeiro ano. Estamos perante um ‘case study’ no mundo dos copos conferindo também a esta criação do arquitecto Siza Vieira a intemporalidade que caracteriza todas as suas obras. Mais recentemente, temos um novo projecto de evoluir na gama Siza, apadrinhado por Manuel Cabral, na altura presidente do IVDP. Surge assim um decanter com dupla curvatura, que contribui para um melhor arejamento do vinho. O manuseamento foi outro factor importante a ter em conta, dai a depressão na sua base que permite de forma equilibrada segurá-lo apenas com uma mão. Foi ainda ensaiada uma variante produzida a partir de tubo de vidro de borosilicato para garantir uma espessura homogénea e mínima em toda a superfície. Ao decanter são ainda acrescentados dois acessórios, um funil e um copo de apoio para pousar o funil. O lançamento será perto do natal…

Quais são os novos desafios para a Schott para o futuro?
Conseguir e manter a liderança em todos os segmentos onde actua, dando sempre resposta aos seus parceiros. Temos a consciência do que conseguimos no passado, sendo que o futuro é para continuar sempre a crescer e a fazer o nosso melhor.



© Fotografia: Maria João de Almeida