Será bom sermos caros?

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre o impacto das alterações climáticas no setor agrícola, mas é no vinho que sentimos de forma mais concreta as grandes transformações. Um recente relatório da Knight Frank – uma consultora imobiliária especializada no segmento de luxo, divulgado em Portugal através do parceiro Quintela e Penalva – traz à tona a forma como o preço de um simples hectare de vinha pode refletir as grandes mudanças e tendências do planeta.
A grande surpresa? Champanhe já não é a região mais cara do mundo. O novo trono pertence a Barolo, no Piemonte italiano, onde um hectare de vinha ultrapassa os 2 milhões de dólares. Segue-se Margaux, em Bordéus; e Rutherford, em Napa Valley.
No entanto, a questão vai muito além dos valores astronómicos praticados, como os que vemos neste relatório. O que está realmente a mudar é a geografia do prestígio e da rentabilidade. O clima está a empurrar os investidores e produtores para novas paragens. A Inglaterra, por exemplo, já não é apenas um caso curioso de espumantes; está a consolidar-se como uma realidade, com a região de Essex a registar subidas de 20% no valor da terra só em 2024. Em França, o Loire, Beaujolais e o sul da Borgonha estão literalmente a ganhar terreno como zonas de futuro.
E Portugal? Estamos ainda longe dos milhões por hectare, mas há sinais evidentes de que os preços podem continuar a crescer. No Douro e nos Vinhos Verdes, por exemplo, os preços já subiram, com um hectare a ser vendido entre os 10 mil e os 40 mil euros, dependendo da localização e do património envolvido.
No meio disto tudo, o contraste é evidente e não deixa de ser irónico: à medida que o mundo acelera e traz consigo inovação, é o tradicional que ganha mais valor.
Em Portugal os preços irão certamente continuar a subir, o que será excelente para a valorização do país, mas a questão que se coloca é: até onde é que o setor conseguirá ir sem afastar os portugueses que querem investir no seu país? Será que terão acesso ou a possibilidade de se dedicar à terra e ao vinho em solo lusitano? Mesmo os portugueses mais ricos, estarão eles dispostos a pagar valores cada vez mais altos por um hectare de terra? Como vamos conseguir manter vivas as tradições locais, o património cultural a ruralidade, a identidade das regiões vinhateiras num mundo cada vez mais globalizado e inacessível para a maioria de nós.
O aumento dos preços de terras vitivinícolas coloca Portugal numa encruzilhada. Se os valores continuarem a subir, é certo que o país continuará a crescer em reconhecimento internacional e conseguirá a apostar em qualidade e exclusividade dos seus vinhos. Mas a que custo? Será que, para ser ainda mais reconhecido, o vinho terá de ser obrigatoriamente mais caro e deixará de ser acessível aos portugueses e às comunidades locais que sempre o produziram? Será que o preço a pagar por sermos ‘os maiores’ não é demasiado alto? Sem dúvida, uma questão que merece ser debatida com urgência.

