Simplicidade com Estilo
O restaurante Canalha – projecto de parceria entre o chef João Rodrigues e o grupo Paradigma - abriu portas o ano passado na Rua da Junqueira, em Lisboa, para mostrar que a simplicidade na cozinha também consegue impressionar. Um restaurante de bairro, democrático e sem pretensões, onde encontramos de tudo um pouco, desde charcutaria, queijos, entradas e pratos ideais para partilhar, de abordagem simples e focada em produtos de qualidade adquiridos todos os dias.
Já se sabe, João Rodrigues é um dos mais reconhecidos chefes de cozinha portugueses. Após uma carreira de sucesso solidificada no restaurante Feitoria, em Lisboa, onde mostrou a sua genialidade através da cozinha de autor, surge agora num conceito mais tradicional, continuando a surpreender pela sua maestria, genuinidade e qualidade dos produtos. Após a saída do Feitoria, João continuou a evoluir noutra direção, mais terra a terra, como ele próprio, através do projecto Matéria (residências gastronómicas vividas durante 12 meses em 12 regiões do país) o que lhe permitiu aprofundar conhecimentos e trabalhar produtos de qualidade identificados nesta viagem itinerante. O grupo paradigma, do qual se tornou parceiro em 2022, possibilitou-lhe abrir o restaurante Canalha, onde mostra agora grande parte do trabalho desenvolvido durante as residências, ao introduzir no menu pratos com produtos cozinhados ao longo desse percurso.
O restaurante, que abriu portas em Novembro de 2023, na Rua da Junqueira, faz lembrar as antigas tabernas. No balcão, à vista de todos, preparam-se produtos que vão para a mesa, ou o que vem lá de trás, da cozinha, para que todos vejam a preparação dos pratos e / ou as técnicas de cozinha. À entrada do restaurante, a montra de peixe, marisco e carnes do dia também desperta a atenção. Outros, direcionam a atenção para o menu. Já a carta de vinhos, não sendo muito variada, tem opções interessantes que saltam à vista. Ou seja, tudo bom mas sem complicações.
O Canalha – que vem de ‘Canalhada’ (crianças traquinas que brincam nas ruas) – inspira-se assim numa cozinha simples e de bairro, e é o primeiro projeto fixo de João Rodrigues e do Paradigma, grupo de hospitality e restauração, conhecido em Lisboa por outros espaços como o Ofício, Lota D’ávila, Café do Paço ou Thisclose. «Sempre quis fazer um restaurante assim», explica João Rodrigues, «não conceptual, não revivalista, não caricatural. Um restaurante de sempre, como existem em Lisboa desde que me lembro, onde vais com os amigos ver a bola ou com a família almoçar ao domingo». Um espaço que João Rodrigues definiu como «descontraído e democrático», onde a conta é definida pelo cliente, que pode ir dos 20€ aos 200€, dependendo daquilo que se pede. Uma casa que permite comer um pastel de bacalhau e uma cerveja ao postigo, um carabineiro com espumante à mesa, ou um prato do dia ao balcão. «Lisboa é a minha cidade, onde eu nasci e cresci. Mesmo com a abertura do Monda (o restaurante / projecto de vida que abrirá em 2025, na Lourinhã) faz sentido manter aqui um pé», explica o chef. Assim, e porque tem um pé no Canalha e outro no Monda (que está em obras) à frente da cozinha do Canalha está Lívia Orofino (carioca de gema, nascida e criada no Rio de Janeiro, de origens italianas) que da cozinha da avó passou para a Faculdade de Gastronomia Francesa de Alain Ducasse, estagiou depois em restaurantes estrelados e foi parar ao Feitoria, ao lado de João Rodrigues.
O Espaço e a Comida
O Canalha ocupa um espaço situado no piso térreo de um edifício de habitação construído na primeira década do século XX, onde antes já tinham funcionado estabelecimentos do mesmo tipo. Tem 120 metros quadrados, 10 lugares ao balcão e 36 nas mesas. Olhando para o edifício, destaca-se a fachada de composição simétrica, guarnecida por socos, pilastras e cornijas em cantarias relevantes e, revestida a azulejos, ainda os originais da época.
No interior, o espaço é amplo, de configuração retangular e teto alto. A sala principal é marcada por um balcão corrido, disposto longitudinalmente, em mármore lioz rosa, assumindo-se como um dos elementos-chave do espaço, recebendo os clientes à entrada, e abrindo-se para a rua através de um postigo que permite também serviço para uma esplanada de mesas altas. Os restantes lugares são distribuídos em três núcleos de mesas com dimensões e disposição diferenciadas, separados por divisórias em carpintaria, com vidros canelados e espelhos, numa evocação dos restaurantes e cafés tradicionais lisboetas.
As materialidades, os elementos construtivos e decorativos do espaço adotam uma linha tradicional, com um resultado eclético, despretensioso e informal. Destacam-se o lambrim alto em azulejo artesanal, de cor marfim, e a pedra tradicional das tascas lisboetas, presente nos balcões, na estante de retro-balcão, nas mesas e nos frisos decorativos das paredes. O pavimento, em mosaico hidráulico de inertes, e o teto texturado e marcado pela geometria de uma guarnição em madeira, refletem a inspiração dos estabelecimentos portugueses dos anos 50 a 70 do século XX. Ideia reforçada através do mobiliário, como as cadeiras Olaio, os bancos do balcão e as luminárias em vidro martelado e plafoniers, típicos desta época.
Se na arquitectura e na decoração o Canalha relembra espaços que sempre existiram no tecido gastronómico lisboeta do passado, mas que têm vindo a desaparecer com o tempo, no menu o conceito divide-se em três partes. Inicia na charcutaria, com produtos ibéricos, como é o caso do presunto Maldonado ou do Lomo Doblado Manuel Marabé. Segue depois pelas entradas, como os pastéis de bacalhau fritos na hora, salada russa e anchovas do Cantábrico; e culmina nos pratos principais, a maioria ideais para partilhar numa mesa cheia de gente: o Raspado de Presa de Vaca com batata palha caseira, Molejas de Borrego Alentejano grelhadas, Cogumelos selvagens na época deles com Papada Feito no Zambujal, ou o Carabineiro com Ovos e Batata Laura, de Raul Reis. Não falta a Lula de toneira, um clássico de João Rodrigues, servida com Manteiga de Cabra. Além da carta fixa, o Canalha recebe também os clientes à entrada, com montra de produtos frescos, sazonais e do dia, como é hábito nos restaurantes tradicionais portugueses. Nas travessas de alumínio pode haver zamburinhas, que o serviço de sala aconselha grelhadas ou com manteiga noisette. Os carabineiros também podem apenas passar pela grelha ou então numa confeção com um discreto polme no corpo e a cabeça grelhada, a pedir que os comensais sujem as mãos. O mar pode também trazer uma bela pescada, que a equipa decide colocar em filetes com arroz de tomate no prato do dia. Falando em pratos do dia, os almoços terão sempre as manuscritas diárias, que seguem os caprichos do receituário português: mão de vaca com grão, feijoada, cozido à portuguesa, lulas recheadas, entre muitos outros.
A carta de vinhos, não sendo muito variada, tem uma oferta interessante
É sempre bom lembrar que no restaurante Canalha é necessário fazer reserva antecipada.