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Velho Mundo versus Novo Mundo

O mercado mundial vinícola, outrora dominado pelo Velho Mundo, viveu momentos críticos de mutação com o surgir dos vinhos oriundos do Novo Mundo. São vinhos deliciosos, frutados, produzidos geralmente para serem bebido jovens, de boa relação qualidade preço, e que facilmente conquistam o paladar do consumidor. Menos tolhidos pelas tradições e pelas rígidas legislações da maioria das regiões produtoras europeias, rapidamente alcançaram uma grande fatia do mercado.

Há alguns anos, muitos foram os enófilos que se deslocaram às salas de cinema para assistir a ‘Mondovino’, um documentário de Jonathan Nossiter que conduziu uma investigação sobre o tema da globalização tendo como principal personagem principal a garrafa de vinho. Antigo sommelier de origem francesa, Nossiter mostra neste documentário duas concepções diferenciadoras: os tradicionais vinhos do Velho Mundo (especialmente os de França) e os vinhos de moda produzidos no Novo Mundo.

No universo do vinho, Novo Mundo é a expressão que designa os países descobertos pelos europeus a partir do século XV (que vieram a produzir vinho) em oposição ao Velho Mundo, a Europa (produtores desde a Antiguidade). No documentário, a comparação com os vinhos dos países do Novo Mundo (Estados Unidos, América do Sul, Austrália, África do Sul) é cruel para os vinhos franceses, na medida em que mostra, entre 1998 e 2003, que as exportações francesas caíram 12%. Já as do Novo Mundo ‘explodiram’ com uma progressão de 161% durante o mesmo período. A crise do vinho foi latente, com a perda progressiva do monopólio dos viticultores franceses sobre a produção mundial e a aparição dos vinhos do Novo Mundo, em climas mais quentes e regulares. Entretanto, o mercado sofreu grandes alterações nos últimos anos e a produção mundial continua a exceder a capacidade de consumo. Resta saber que vinhos se irão beber mais.

Diferenças entre Mundos

Segundo declarou certa vez numa entrevista a baronesa Philippine de Rothschild, do célebre Château Mouton Rothchild, «Produzir vinho é relativamente simples, só os primeiros duzentos anos são difíceis». Esta frase mostra bem os princípios que orientam o velho Mundo: Tradição. São vinhos com história que levam o consumidor a aprofundar-se na cultura da bebida. Já os vinhos do Novo Mundo são mais provocadores, mais intensos e envolventes, e fizeram mexer o mercado dominado anteriormente pelos produtores europeus.

 

O Velho Mundo é sinónimo de tradição. Vinhas em Portugal, no Douro (em cima) e em Itália, na Toscana (em baixo).
As vinhas do Novo Mundo (África do Sul, em baixo) são mais vastas e flexíveis.


Hoje, estas diferenças entre mundos estão mais atenuadas, até porque tanto no Velho Mundo como no Novo Mundo já se produzem os dois estilos de vinho, dependendo do que os produtores pretendem fornecer para cada tipo de consumidor / mercado. E, cada vez mais, as tendências de consumo se direcionam para vinhos onde a palavra de ordem é o equilíbrio e a elegância, seja em que estilo for. No entanto, quando estamos a aprender sobre o sector do vinho, falamos a sua linguagem e pretendemos perceber a evolução que houve até hoje, é sempre útil saber as diferenças que os separaram.

Assim, tradicionalmente, podemos dizer que a divisão entre Velho e Novo Mundo nasceu baseada numa questão de filosofia, de abordagem e até de mentalidade. O Novo Mundo é sinónimo de inovação, enquanto o Velho Mundo respira tradição. As diferenças são evidentes desde a forma como os vinhos são apresentados ao mercado até à maneira como são produzidos.

No Novo Mundo, os vinhos são identificados pela casta – um Cabernet Sauvignon é um Cabernet Sauvignon, independentemente de onde vem. Já no Velho Mundo, o nome da região de produção tem mais peso, porque acredita-se que o terroir, o local onde as uvas crescem, é o verdadeiro protagonista. Um Douro, um Bordeaux ou um Barolo dizem mais sobre a origem do que sobre as castas usadas.

Outro ponto de divergência é a longevidade. No Novo Mundo, os vinhos sempre foram mais pensados para consumo imediato, apostando em fruta madura e exuberante. No Velho Mundo, muitos vinhos são feitos para evoluir ao longo do tempo, ganhando complexidade com o envelhecimento.

A filosofia de produção também difere. No Novo Mundo, o objetivo do produtor é destacar a fruta e criar vinhos acessíveis e fáceis de entender. No Velho Mundo, a preocupação está na expressão do terroir, na ligação entre o vinho e a terra onde nasceu. Isso reflete-se nas regiões vitivinícolas, ou seja, no Novo Mundo, são vastas e flexíveis, permitindo uma abordagem mais experimental. No Velho Mundo, as regiões são pequenas, fixas e altamente regulamentadas.

Outro fator determinante é a visão sobre a vitivinicultura. No Novo Mundo, é encarada como uma ciência, onde tecnologia e inovação desempenham um papel fundamental. No Velho Mundo, é vista como uma arte, onde a tradição dita as regras e os métodos ancestrais são preservados. Isto leva a outra distinção importante: no Novo Mundo, o mérito na produção do vinho vai para o produtor e para o enólogo que domina a técnica. No Velho Mundo, o reconhecimento é da vinha, da terra que imprime a sua identidade no vinho.

As diferenças estendem-se também ao mercado. No Velho Mundo, os produtores estão mais sujeitos às normas das Regiões Demarcadas, o que limita a flexibilidade mas garante um padrão de qualidade e identidade. Já no Novo Mundo, os produtores operam com menos restrições, permitindo decisões rápidas e maior capacidade de adaptação às tendências do mercado.

Além disso, a estrutura da indústria é distinta. No Novo Mundo, a produção está muito mais concentrada – no Chile, cinco grandes produtores dominam quase 90% da produção; na Austrália, quatro empresas controlam 80% do mercado. No Velho Mundo, a produção está mais dispersa, com pequenas propriedades familiares a manterem-se fiéis às tradições. Essa concentração no Novo Mundo facilita a comercialização, gera maior poder de investimento em marketing e torna os vinhos mais competitivos a nível global.

No fim, nenhum dos dois mundos é melhor do que o outro. São diferentes e complementares. O Novo Mundo traz dinamismo e modernidade, o Velho Mundo carrega a história e a autenticidade. E é essa diversidade que torna o vinho tão fascinante.