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Vinho e Arte de mãos dadas

Já existe há muitos anos, mas só agora o casal de enólogos Catarina Vieira e Pedro Ribeiro abriram pela primeira vez as portas do Espaço Serra, um projecto cultural familiar onde a banda Silence 4 deu os primeiros acordes. O local continua hoje a albergar artistas de várias áreas e serviu também de cenário para dar a provar e apresentar a história dos vinhos Vale da Mata, produzidos nas Cortes, em Leiria, cujas primeiras colheitas foram lançadas em 2009 .  

Não é de hoje, a ideia de juntar vinho à arte, mas só mais recentemente vão surgindo cada vez mais projectos nesta área, tanto em Portugal como no estrangeiro. No entanto, já há muitos anos que o grupo Movicortes é Mecenas de vários artistas, sendo por isso um dos pioneiros nesta área, sem no entanto fazer muito alarido sobre a questão.

Fundado pelo empresário José Ribeiro Vieira, o Espaço Serra foi impulsionado através da empresa familiar (Movicortes) que além da comercialização de máquinas agrícolas produz vinhos em várias regiões do país, entre os quais a Herdade do Rocim (o primeiro projecto, nascido no Alentejo) e na vinha de Vale da Mata, nas Cortes, uma aldeia perto de Leiria, onde nasceu o negócio do grupo. O espaço cultural encontra-se também na aldeia, na Casa da Reixida, um edifício que servia de escritórios da empresa, onde hoje existem residências artísticas (com quartos, ateliers, estúdios) e organizam-se eventos criativos. Foi lá, por exemplo, que os famosos  Silence 4 deram os primeiros acordes nos distantes anos 90, época em que José Ribeiro Vieira avançou com a criação desta comunidade de criativos ligados a diferentes áreas culturais.


No Espaço Serra funcionam residências artísticas
Artistas de diversas áreas utilizam o Espaço Serra para desenvolver a sua arte
O edifício do Espaço Serra eram os antigos escritórios da MoviCortes

A vinha do Vale da Mata, na família há várias gerações, fica ali bem perto, nos  contrafortes da Serra de Aire e Candeeiros. Um local que deu à enóloga Catarina Vieira (na foto de entrada, com o marido e também enólogo Pedro Ribeiro) as suas  primeiras memórias do mundo dos vinhos, e onde o seu avô Manuel dizia ter feito o melhor vinho da sua longa vida de agricultor. Foi por isso o avô quem deu o nome a estes vinhos, que homenageiam uma tradição familiar que filho e neta ajudaram a recuperar. «Sentimos que o projeto Vale da Mata atingiu finalmente a maturidade que desejávamos para que pudesse contar a sua história na sua plenitude, com todas as dimensões culturais, emocionais e técnicas que a envolvem», afirma Catarina Vieira, destacando que este continuará a ser, sempre, um projeto em permanente desenvolvimento, que se esgotará apenas no dia em que todos os sonhos da família estiverem concretizados. Segundo Catarina, a produção do mel Vale da Mata, outra grande paixão do avô Manuel, será o próximo.

A Vinha Vale da Mata foi replantada em 2006, tem 4 hectares de vinha, e é composta por 3,2 hectares de castas tintas (predominantemente Tinta Roriz e Touriga Nacional) e 0,80 hectares de castas brancas regionais (Arinto e Vital). «A vinha está exposta a sul, protegida a norte pelas montanhas e encontra-se a 20 quilómetros em linha recta do Atlântico, existindo por isso um microclima muito específico», explica Catarina Vieira. Inserida na zona norte da região vitícola de Lisboa, as suaves colinas e solos argilo-calcários permitem também o regime hídrico ideal para o desenvolvimento das plantas. O clima, com noites frescas e temperaturas moderadas, promovem uma equilibrada maturação das uvas. Na viticultura do Vale da Mata, e sempre respeitando o máximo o terroir e os princípios da sustentabilidade, todas as operações, desde a poda de Inverno passando pelas intervenções em verde até à vindima são sempre efetuadas de forma manual, onde a mão humana tem um papel fundamental.  «Para lidar com as alterações climáticas estamos a fazer experiências de Crop Forcing (técnica que atrasa a maturação das uvas para uma época com temperaturas mais baixas de forma a promover a qualidade da uva) num hectare de Touriga Nacional para perceber os resultados, explica Amândio Cruz,  reconhecido consultor de viticultura nacional, a trabalhar no projecto desde o seu início. «Em Itália já estão a fazer a poda em verde e nós aqui também temos de investigar, experimentar,  procurar novos caminhos. A poda em verde vai obrigar a planta a fazer a floração novamente e por isso a vindima será mais tardia e a uva será colhida numa época mais fresca, e por isso, mais equilibrada», complementa ainda Catarina.

A vinha Vale da Mata tem 4 hectares



Os novos vinhos Vale da Mata apresentados durante o evento são sete: os brancos colheita 2015 (1,5l) e colheita 2023 (0,75cl), que chegam ao mercado acompanhados pelos tintos colheita 2014 (1,5l) e colheita 2023 (0,75cl). A estes juntam-se ainda os reservas tinto 2008 (0,75cl) e tinto 2014 e 2021, ambos engarrafados em garrafas de 1,5l.

Se os brancos apresentaram boa presença, frescura e mineralidade,  o primeiro de 2015  já com algumas notas de envelhecimento, e o segundo mais jovem e fresco, com boa estrutura e acidez; foi nos tintos Reserva que a evolução surpreendeu mais, com o 2008 a mostrar cor e aroma terciário, e já a revelar fruta seca e taninos muito equilibrados; o 2014 também com notas de envelhecimento mas com muito ainda para dar, com a fruta e frescura ainda bem presentes; e finalmente o 2021, com toda a garra de cor e aroma da fruta fresca ainda bem evidente, tal como no paladar, marcante mas elegante, e com boa profundidade de boca. Boas experiências à mesa, já que todos eles se revelam muito gastronómicos.