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Vinhos raros e memoráveis

Nem todos os produtores podem dar-se ao luxo de fazer vinhos ao seu gosto, contando que todos gostem. Mas Ricardo Freitas, da Barbeito, na ilha da Madeira, já deu mais que provas que os vinhos que gosta de produzir são sempre bons e do agrado dos enófilos que procuram novidades de qualidade.

O produtor Madeirense Ricardo Freitas lançou recentemente seis novidades, diferentes entre si, mas com muito em comum. Para começar, são todos vinhos de casco único (single cask) e resultam do gosto pessoal do produtor. Depois, cada vinho corresponde   a um casco, que varia entre os 300 e os 700 litros, o que que dizer que se enchem poucas garrafas, premium, de edição limitada. Por último, muitos destes vinhos foram elaborados com uvas provenientes de viticultores que sempre foram fornecedores da Barbeito (alguns do tempo do avô de Ricardo), ou seja, ‘uvas de confiança’, vigiadas e tratadas como o produtor quer.

As novidades apresentadas foram os vinhos da Madeira Barbeito Sercial Vinha da Lage 2015, o Tinta Negra Lagar 2 da Vinha Velha das Mantas 2008, o Boal Vinha da Torre 2008, o Boal Vinha do Charlot 2005, o Malvasia Cândida 2006 e o Verdelho Casco Único 103 a+c 1993. Vinhos  diferentes entre si mas com características que os evidenciam. Todos eles consequência do entusiasmo e do gosto de Ricardo, conhecido há muito pelas suas experiências, que sempre surpreendem o consumidor.

O Sercial de 2015 é um vinho produzido a partir de uvas de uma pequena vinha situada na freguesia do Seixal, a pouca distância do mar, fustigada pela maresia durante grande parte do ano. Apesar disso, a salinidade do vinho sente-se, mas não é tão intensa como se poderia esperar. Na adega, as uvas foram esmagadas e prensadas, com engaço e prensa pneumática. Após onze dias de fermentação, sem controlo de temperatura, foi adicionado o álcool vínico, numa fase em que ainda restava algum açúcar residual. O vinho foi transferido para um casco antigo de carvalho francês de 620 litros, e envelheceu num armazém de temperatura elevada, com o objectivo do vinho alcançar uma concentração maior ao longo do ano. Deste vinho foram engarrafadas 1022 unidades, todas elas numeradas. No paladar é um vinho seco, com um perfil jovem e elegante.



O Tinta Negra 2008 Lagar 2 da Vinha Velha das Mantas foi o segundo vinho apresentado, proveniente de uvas da centenária Vinha das Mantas, acima dos 550 metros na Freguesia do Jardim da Serra (Câmara de Lobos). A pisa foi a pé, com fermentação a temperatura controlada de 15 graus, durante duas semanas, tendo sido fortificado ainda com as massas no lagar. O vinho foi depois passado a limpo dois dias após a interrupção da fermentação, e as massas remanescentes prensadas logo de seguida, tendo sido posteriormente misturado com vinho limpo. A barrica, de 700 litros, não foi atestada completamente para melhor oxigenação do vinho, que envelheceu num dos armazéns do produtor (muito quente no Verão e bastante frio no Inverno). Deste vinho foram engarrafadas e numeradas 1043 unidades. Um vinho meio seco, a aproximar-se do meio doce, devido à concentração do passar dos anos. Um Tinta Negra de excelente qualidade, que surpreende, já que a maioria dos vinhos desta casta continua a ser muito utilizada para vinho da Madeira mais comerciais.  

Seguiram-se na prova os Boal Vinha do Charlot 2005 e Boal Vinha da Torre 2008. Vinhos da mesma casta mas com uvas provenientes de diferentes vinhas. O primeiro, de vinhas da zona da Calheta; e o segundo, da zona do Campanário. Sendo o Campanário uma das regiões mais tradicionais na produção da casta Boal, o colheita de 2008 revelou-se com maior acidez mas, em compensação, o colheita de 2005 evidenciou-se por ser mais seco e estruturado.  Do primeiro foram engarrafadas 1300 unidades, e do segundo 857 (de 500 ml) e 60 de Magnum. Também nestes vinhos a vinificação, os controles de temperatura e os armazéns onde envelheceram, ajudaram ao perfil final. Vinhos muito interessantes e diferentes, apesar de produzidos com as mesmas castas.



A prova finalizou com os Malvasia Cândida 2006 e o Verdelho Casco Único 103 a+c 1993.  2006 foi um ano especial para Ricardo Freitas, já que foi a primeira vindima que fez, com uvas da Fajã dos Padres provenientes de viticultores desde o tempo do avô. Vinificado pelo método de bica aberta, em prensa contínua, este vinho envelheceu nos quatro primeiros anos num armazém mais quente. A fim de preservar a elegância do vinho, Ricardo transferiu em 201 o casco para um armazém mais fresco, onde permaneceu até ao seu engarrafamento, que contabilizou 1170 unidades. Considerada a Malvasia a mais doce das castas nobres de vinho Madeira, este vinho tem, contudo, uma acidez muito interessante.

Por último, provou-se o Verdelho 1993, de vinhas do Arco de São Jorge, situadas na costa norte da ilha. As uvas foram de uma vinha em latada, actualmente extinta. Tal como o vinho anterior, estagiou em cascos, primeiro num armazém mais quente, e uns anos depois, noutro mais fresco. Também este um vinho especial e raro, apenas 300 garrafas que representam memórias únicas deste produtor, que da sua profissão alimenta a paixão dos apreciadores de vinhos por produtos diferenciadores. Seco, com excelente acidez, e uma concentração incrível.